Capítulo 5 - A Mulher Da Porteira

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Era uma noite bem escura. A lua não aparecia, e tampouco as estrelas. Estava quase pronto para uma missa em uma cidade, que até então, era desconhecida. Segundo minha esposa, fica mais ou menos 25 quilômetros de onde moro.

Por que vou então? Simples: minha esposa tem que pagar uma promessa. Não sou muito religioso, mas minha esposa não tem carteira de motorista, e não quero ter que pagar multa - além do fato de ter comprado minha moto recentemente. Por isso, tenho que ir, querendo ou não.

- Estou bonita? - ela pergunta. Usava um vestido azul - que tinha uma pequena mancha na parte de baixo. Não irei falar isso para ela, pois ela irá demorar mais 30 minutos para escolher outro - e também meia calça preta, com um salto da mesma cor.

- Er... claro, amor. Vamos? - respondo.

Saímos de casa as 19:03, e tínhamos que chegar até as 20:00 lá. Fomos pela BR, e tudo estava tranquilo... pelo menos por enquanto.

"... O mal sempre estará pelo mundo, temos que combatê-lo com a palavra..." Parecia que o padre não terminava de falar nunca. Estava impaciente. Tinha que assistir o jogo do Corinthians às 22h00, e já era 21h35. "Que saco!", penso.

Estávamos sentados na última fileira perto de uma velha que não parava de babar. Coloquei uma mão no queixo, e suspirei; minha esposa me olhou com uma expressão feia, e eu apenas revirei os olhos em desdenho.

Enfim o padre terminou. Minha esposa conversou com algumas mulheres, e um homem meio barbudo que segurava uma xícara de café na mão direita se aproximou de mim.

- O padre estava certo: "Temos que dedicar nosso tempo para coisas que tem mais proveito".

Não acredito que esse cara vem me encher com esse papo! Por isso, apenas balanço a cabeça lentamente, de uma maneira bem lenta mesmo, para ele perceber que estou sendo sarcástico com esse simples balançar de cabeça. Mas o velho é burro, e continua:

- Foi muito boa a missa, mas parece que vou chegar no segundo tempo do jogo do Corinthians...

Bem, ele é chato, mas tem bom gosto para time, e isso me chama atenção.

- Também queria poder assistir do começo, mas mesmo que vá bem rápido não chegaria a tempo - indago.
- Tem uma maneira...

- Tem? - repondo, não acreditando muito.

- Sim, um atalho - ele responde me olhando seriamente nos olhos.

- Atalho? - pergunto, realmente interessado em saber.

- Sim, meu jovem, mas você não irá querer ir por ele - ele diz, e vira as costas para ir embora. Mas eu muito curioso, seguro o ombro dele e digo:

- Por que não?

- Você nunca ouviu falar na lenda da Mulher da Porteira? - ele me pergunta, e eu realmente nunca tinha ouvido falar.

- Não... nem acredito nessas coisas - repondo, mostrando um sorriso de canto.

Ele me mostra um sorriso como se achasse graça no que tinha dito.

- Você deveria acreditar e esquecer o atalho, pois ninguém vai por lá... mas vou te contar, e você decidirá o que fará a respeito. A muito tempo atrás, lá pelos anos 50, existia um fazendeiro muito rico por aqui pela região. Esse fazendeiro tinha uma mulher muito bonita, e o que mais chamava atenção nessa mulher era seus lindos e longos cabelos ondulados. O fazendeiro era um cara que bebia muito, e quando chegava bêbado em casa sempre espancava sua esposa. Sua esposa amava muito ele, por isso sempre o perdoava; mas certo dia, o fazendeiro exagerou na dose, e chegou em casa muito alterado, ela estava na sala, sorrindo com a mão na barriga (estava grávida dele). Depois de contar a novidade ao marido, ele não acreditou, pois não lembrava a última vez que havia tocado nela. Por isso, aquela noite ele acabou espancando ela seriamente - dizem que se dava para ouvir os gritos de agonia da pobre mulher a quilômetros! Pois bem, rapaz, nessa mesma noite ela ainda ensanguentada no chão, tentou fugir. Correu, meio cambaleante para fora do casarão. Ela chorava muito e pedia socorro pela vida dela e do filho que esperava, mas ninguém, nem mesmo as pessoas que trabalhavam na fazenda foram ajudar. A ferida grande em sua testa fazia o sangue escorrer por todo seu rosto; o seu vestido branco já estava todo ensanguentado e ela sentia fortes dores pelo corpo. Ela viu seu marido sair com um facão na mão e se desesperou. Correu. Gritou. Chorou. E chegando na tal Porteira, seu marido a derrubou no chão. Pisou nela, e com muitos chutes na barriga a fez gritar ainda mais! Com o facão cortou todo seu cabelo, a deixando com apenas uns tufos de cabelo na cabeça. Depois disso ele a matou enfiando todo o facão em seu coração. Dizem que ele se matou logo depois, outros dizem que ele se matou no dia seguinte, de arrependimento. Mas o certo é que ambos espíritos estão lá, e muitos são os relatos, meu jovem, de que a mulher da Porteira vem assombrar todos aqueles que não ajudaram-na.

Confesso que isso me deixou um pouco com medo. Não... medo, não... Talvez pena da mulher.

- Onde fica o atalho?

Ele me mostra um sorriso, e depois responde:

- Logo à 7 quilômetros, virando em uma estrada de terra - explica, fazendo gestos com as mãos.

- Obrigado... Er...?

- Nelson. Nelson Nunes - responde, e logo em seguida aperta minha mão.

Ficamos por mais 15 minutos conversando, e logo em seguida minha mulher veio em minha direção segurando um copo com água.

- Vamos? - digo, antes dela chegar.

- Vamos - reponde.

Nos despedimos do casal Nunes ("Espero que façamos um bom campeonato, Douglas!" - foi o que ele disse.) e fomos em direção a minha moto, que estava do lado de um fusca azul marinho.

Estava frio. Minha esposa me apertava forte e eu seguia pilotando a moto a 120 km/s quando vi uma placa velha e quebrada logo a diante: "Fazenda Tavares". Era o suposto atalho que Nelson havia me dito. Frui diminuindo a velocidade e ouvi minha esposa falando:

- Pra onde estamos indo?

Apenas disse a ela que era um caminho mais curto. Entramos e a rua estava muito escura, mas do que antes, pois havia árvores dos dois lados da estrada de terra. Fomos se aproximando de uma enorme subida, e minha esposa ficou com medo quando notou que a moto não estava conseguindo subir por conta da lama e do peso.

- Desça. Vou empurrar a moto. Você vem logo atrás, tudo bem? - perguntei.

- Tudo.

Fui subindo devagarinho a moto, me esquivando da lama e capim molhado que havia por ali. Minha mulher estava quase a 15 metros de mim, caminhando lentamente, e eu já estava conseguindo subir. Quando enfim consegui, olhei mais adiante e vi um enorme casarão. Instintivamente me veio um arrepio, pois lembrei que essa era a tal fazenda. Vou andando lentamente até chegar perto de um curral. Não vejo nada de anormal, e mostro um sorriso de zombação por não ter acreditado no velho. Levanto minha cabeça, e algo me assusta. A casa tem luz, e escuto coisas se quebrando. Logo em seguida muitos gritos desesperados! Mais coisas quebram, e depois escuto pedidos de socorro. Quero fazer algo, mas não consigo! Estou com muito medo. Faz-se um grande silêncio, e logo um baque da porta se abrindo violentamente. Vejo uma mulher toda ensanguentada sair. Ela está desesperada e corre em minha direção pedindo ajuda. Logo depois vejo um homem de mais ou menos 1,90 de altura a perseguindo com um grande facão na mão. Meu coração quer pular para fora, meus cabelos todos estão em pé e sinto meu corpo cada vez mais quente. Ele alcança a mulher e com um chute nas costas a derruba no chão. Não consigo me mexer e ele espanca ela próximo de mim. Ela levanta sua mão em minha direção e diz:

- Me... Me ajuda..

Antes deu pensar em fazer qualquer coisa, o fazendeiro enfiou o focão em seu coração profundamente. Fico empaledecido. Não consigo me mover. O fazendeiro dar dois passo em minha direção e olha para atrás de mim. Levanta o facão na altura do pescoço e se mata, caindo de joelhos no chão e depois com a cara no chão, próximo aos meus pés. Dou dois passos para trás abismado. E por alguns segundos só escuto silêncio. As luzes do casarão se apagaram e os corpos sumiram. Ouço uma voz feminina que vem do fundo da minha mente, dizendo: "Me ajuda... Me ajuda... Me ajuda!". É uma Voz desesperada e está cada vez mais alta e próxima de mim!

- Por que não me ajudou?

Ouço uma voz atrás de mim e me viro rapidamente. Vejo uma mulher toda ferida e ensanguentada com um facão enfiado no coração olhando macabramente para mim! Ela abre sua boca e arqueia seus braços e minha direção. Grito no momento em que caio no chão. Cubro meu rosto com minhas mãos e peço socorro desesperadamente. Sinto ela sacudir meus braços e eu tento tirá-los, mas não consigo.

- Douglas! Douglas!

É a voz de minha esposa! Abro os olhos e vejo ela segurando meus braços com uma expressão assustada. Me lavanto, sem dizer nada para ela. Apenas levanto minha moto e a ligo, grito pra ela subir e minha voz sai como um choro de agonia.

Ela nunca entendeu o que de fato aconteceu comigo, nem mesmo eu quero entender. A única coisa que entendo, é que nunca mais pegarei qualquer atalho...

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