Sob as Luzes da Quermesse

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A noite em Américo Brasiliense estava calma, iluminada por estrelas tímidas que apareciam no céu, um contraste para as luzes coloridas da quermesse que tomava conta da praça principal. Era sábado, e como sempre, depois da missa das seis, a cidade se reunia ali. Famílias, casais e grupos de amigos circulavam entre as barracas, onde o cheiro de pastel e quentão se misturava ao som da música e do riso solto de quem aproveitava a festa.

João Vitor, ou Jão, como gostava de ser chamado, estava ali pela primeira vez sem a companhia dos pais. Aos quinze anos, ele começava a explorar mais os eventos sozinho, embora ainda fosse conhecido como "o filho do seu Antônio da padaria". Jão era um garoto alto para a idade, com cabelos castanhos levemente bagunçados e uma expressão sempre meio desconfiada, mas com olhos que brilhavam de curiosidade.

Ele andava pelo meio da praça, observando as pessoas, quando seus olhos pousaram numa barraca de pescaria. Lá, um garoto magro e de cabelo bagunçado tentava, com visível esforço, pescar o último peixinho de plástico no tanque improvisado. Algo no jeito desajeitado e ao mesmo tempo determinado do garoto chamou a atenção de Jão, que se aproximou.

— Tá difícil aí, hein? — ele disse, cruzando os braços e rindo de leve.

O garoto ergueu os olhos, desconfiado, mas deu um sorriso no segundo seguinte. Ele parecia uns dois anos mais novo que Jão, mas tinha uma energia que o fazia parecer maior.

— Difícil nada! É que eu tô dando uma chance pra esse peixinho fugir, só isso — respondeu ele, com um tom brincalhão.

Jão deu uma risada mais alta. Gostou da resposta.

— Tá bom então, campeão. Mas se quiser ajuda, eu tô aqui. Aliás, eu sou o Jão.

— Pedro — respondeu o garoto, ajeitando a vara de pesca e finalmente conseguindo pegar o peixe. Ele levantou o prêmio no ar, com o orgulho de quem acabara de vencer uma grande batalha.

Eles se afastaram da barraca juntos, e logo estavam andando lado a lado, conversando sobre o jogo de futebol da semana passada, os professores da escola e outros assuntos que pareciam surgir naturalmente, como se já se conhecessem há tempos.

Pedro era bem diferente de Jão. Onde Jão era mais introspectivo, Pedro era expansivo, falava com as mãos, exagerava nas histórias, arrancando risadas até mesmo de quem passava por perto. Jão, que normalmente mantinha a guarda alta, logo percebeu que se sentia à vontade ao lado do novo amigo.

— Ei, você curte andar de bike? — perguntou Pedro, de repente, com os olhos brilhando. — Tem um morro aqui perto que dá pra descer a milhão. Dizem que o vento parece até que vai te levar embora!

Jão riu, imaginando a cena. Ele nunca tinha feito algo assim, mas a ideia parecia, de repente, irresistível.

— Fechou, mas só se você conseguir descer sem frear — desafiou Jão, entrando na brincadeira.

Jão percebeu que era fácil estar perto de Pedro. Ele tinha uma energia que parecia contagiante, e, pela primeira vez em muito tempo, Jão se sentia verdadeiramente à vontade com alguém que acabara de conhecer. Enquanto caminhavam pela praça, conversando sobre coisas triviais e dividindo um pouco de pipoca, eles pareciam se esquecer do tempo.

Em certo momento, uma barraca de tiro ao alvo chamou a atenção de Pedro. Ele puxou Jão pelo braço, os olhos fixos na fileira de prêmios pendurada acima da barraca: pequenos ursos de pelúcia, apitos coloridos, e uma bola de futebol nova, que brilhava sob as luzes da quermesse. Pedro deu um sorriso determinado, como se já estivesse decidido a ganhar a bola.

— Aposto que você não consegue acertar as cinco latas de primeira — provocou Jão, cruzando os braços.

Pedro estufou o peito, pegou o saquinho de argolas e, com um ar teatral, começou a mirar. A primeira argola voou e passou longe da lata. A segunda ficou pendurada no meio do caminho. Pedro já estava suando um pouco e, na terceira tentativa, conseguiu derrubar a primeira lata. Jão riu e bateu palmas, encorajando o amigo.

Ao final, Pedro não conseguiu ganhar a bola, mas eles riram como se tivessem conquistado um troféu. Sentaram-se em um banco próximo, observando o movimento da quermesse, os casais dançando ao som da música ao vivo, as crianças correndo de um lado para o outro. Pedro ainda falava animado, contando mais uma de suas histórias, e Jão sentia que havia encontrado alguém especial, alguém que, sem perceber, preenchia o silêncio que muitas vezes ele mesmo criava.

O sino da igreja tocou ao longe, anunciando que já era hora de encerrar a quermesse. As luzes começaram a se apagar aos poucos, e os sons se dissiparam, mas Jão e Pedro ainda estavam ali, sentados num banco da praça, fazendo planos para o que fariam juntos. Foi uma noite simples, sem grandes aventuras, mas naquele encontro despretensioso, nascia uma amizade que seria para a vida inteira.

Enquanto voltava para casa, Jão sabia que tinha encontrado um amigo de verdade. Alguém que, mesmo diferente, parecia completar as partes que ele nem sabia que estavam faltando.

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⏰ Última atualização: 4 days ago ⏰

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