Café com histórias não contadas

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Capítulo 3: Café com Histórias Não Contadas

O céu matinal ganhava vida com tons de laranja e rosa enquanto Enzo e Natasha saíam do motel. Natasha ajustou a jaqueta de couro, tentando afastar o frio que parecia cortar sua pele, enquanto Enzo caminhava ao lado dela com uma calma quase desconcertante, como se a noite intensa que compartilharam não tivesse deixado marcas.

— Preciso de café. Forte, de preferência
Natasha comentou, tentando soar leve, embora sentisse as emoções da noite anterior ainda ecoando dentro dela.
Enzo riu, e o som da risada parecia aquecer o ar gelado da manhã.
— Por sorte, conheço uma cafeteria por aqui que faz um café excelente. Vamos?

Eles caminharam juntos pelas ruas de calçada molhada, onde as primeiras luzes do dia se misturavam com os postes ainda acesos. O silêncio que pairava entre eles era confortável, mas cheio de uma tensão quase visível. Não era o silêncio de duas pessoas estranhas; era o de quem tinha vivido algo intenso, algo que agora pendia entre eles como um segredo compartilhado.

Finalmente, chegaram a uma pequena cafeteria na esquina, o aroma de grãos torrados preenchendo o ar. A vitrine mostrava croissants perfeitamente dourados, fatias de torta e bolos cobertos de chocolate. Natasha sentiu o estômago roncar, e isso fez Enzo abrir um sorriso.

— Parece que alguém não comeu nada ontem à noite, além de...
Ele parou, com um olhar malicioso.
— Termina essa frase, e eu jogo café quente na sua cara
Natasha respondeu, mas o sorriso no rosto dela suavizava a ameaça.

Sentaram-se em uma mesa perto da janela, onde podiam ver as pessoas começando o dia. Natasha fez seu pedido: um café bem forte e uma porção generosa de waffles com frutas e chantilly. Enzo, por outro lado, pediu apenas um cappuccino, mas manteve os olhos fixos em Natasha com aquele olhar que fazia tudo parecer um jogo.

— Por que você me olha assim?  Natasha perguntou, tentando ignorar como o coração dela parecia acelerar sob o peso daquele olhar.

Enzo inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos na mesa.
— Porque você me fascina.
Ele fez uma pausa, como se refletisse.
— Uma garota que se esconde tão bem, mas tem segredos que estão quase à vista.

Natasha ficou tensa,aquela observação a pegou desprevenida. Ela passou anos aperfeiçoando um jeito de esconder suas emoções, de se tornar inatingível, mas Enzo parecia ver além disso, e isso a incomodava.

— E você?
ela retrucou.
— Acha que me fascina menos? Um cara de negócios que gosta de se esconder em motéis com garotas como eu... o que você realmente esconde Enzo?

Ele deu de ombros, um sorriso brincando em seus lábios, mas o olhar ficou mais sério.
— Todo mundo esconde alguma coisa, Natasha.
Ele tomou um gole de cappuccino, e por um momento, a tensão pareceu diminuir.
— Mas hoje não é sobre mim,quero saber mais sobre você.

Natasha brincou com a colher, girando-a em círculos na xícara de café. Havia algo em Enzo que a fazia querer se abrir, mesmo que cada fibra do seu ser lhe dissesse para não confiar tão facilmente.

— Minha família... não é fácil
ela começou, com a voz um pouco trêmula.
— Minha mãe sempre foi exigente, queria que eu fosse perfeita, que eu seguisse o caminho "certo". O problema é que... nunca fui o que ela queria. Nem um pouco.
Natasha soltou uma risada amarga. — Eu me lembro de ter treze anos e ouvir ela dizer que eu era um desperdício,que nada de bom sairia de mim.

Enzo ficou em silêncio, mas os olhos dele tinham uma expressão que misturava raiva e empatia, como se quisesse de alguma forma proteger a garota à sua frente.

— Meu pai não ajudava. Ele nunca teve coragem de defendê-la ou a mim.  Natasha olhou pela janela, mas seus pensamentos estavam longe dali, revivendo memórias que doíam.
— Quando fiz dezoito, saí de casa. Nunca mais voltei,eu sobrevivi da forma que pude. Ser garota de programa me deu uma certa liberdade, mas...
Ela engoliu em seco, a garganta apertada.
—Acho que, no fundo, eu só queria provar que podia viver sem eles.

Enzo estendeu a mão por cima da mesa e tocou a dela. Foi um gesto pequeno, mas Natasha sentiu o calor que ele transmitia, um conforto que não esperava. Não puxou a mão de volta; deixou que ele segurasse.

— Eles não sabem o que perderam  Enzo disse, a voz suave mas cheia de convicção.
— Você é mais forte do que qualquer pessoa que eu conheci.

Natasha se sentiu vulnerável, mas não de um jeito ruim. Por um momento, o peso que carregava parecia menos opressor.

— E você? Qual é o seu grande segredo, Enzo?
Ela precisava mudar o foco, desviar a atenção de si mesma.
Ele hesitou, e Natasha percebeu que por trás da confiança havia algo mais. Enzo respirou fundo, e o sorriso brincalhão desapareceu.

— Minha família também é complicada, mas de um jeito diferente.
Ele desviou o olhar.
— Cresci cercado por dinheiro e expectativas, meu pai queria que eu fosse a cópia perfeita dele, um empresário de sucesso, um homem sem fraquezas. O problema é que eu nunca quis nada disso. Eu queria ser livre, fazer minhas próprias escolhas.

— E fez?
Natasha perguntou, os olhos buscando o rosto dele.
Enzo riu, mas soou mais como um suspiro.
— Fiz... e paguei o preço. Abri meu próprio negócio, algo que meu pai despreza. Cortamos relações. Não tenho mais o apoio deles, mas também não sou controlado por ninguém. Só que às vezes, o vazio...  Ele parou, lutando para encontrar as palavras certas.
— O vazio é grande. E é aí que encontro distrações.

Houve um momento de silêncio, onde apenas os barulhos da cafeteria pareciam existir. Natasha sentiu uma conexão inesperada. Ambos eram pessoas quebradas de maneiras diferentes, tentando encontrar algo ou alguém que tornasse o mundo menos doloroso.

— Acho que somos mais parecidos do que pensamos
Natasha disse, com um sorriso triste.
— Talvez.
Enzo sorriu de volta, mas o olhar carregava um brilho de algo mais, algo que Natasha não sabia se estava pronta para entender.

A conversa continuou, os dois compartilhando histórias que normalmente guardariam para si. Natasha riu de algumas histórias embaraçosas de Enzo, e ele a provocou sobre como ela parecia forte, mesmo que tivesse um lado tão doce escondido.

Eles perderam a noção do tempo. Naquela cafeteria, entre sorrisos, confissões e um café com gosto de segredos revelados, Natasha e Enzo encontraram algo que não podiam explicar: uma faísca, uma conexão, um calor que ambos desejavam, mesmo que não soubessem onde aquilo os levaria.

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⏰ Última atualização: Nov 06 ⏰

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