M.I.D.R.A: The City of Dream

Gritos Reprimidos

Gritar e Gritar até que alguém surdo o suficiente consiga escutar, era isso que eu e minha família sempre fizemos e por pior que possa parecer não era um problema, não para nós. Mas as coisas começaram a dar errado quando substituímos os gritos por sussurros e sussurros por uma afonia ininterrupta, angustiante e incansável.

Nós não conversávamos, não nos falávamos, nem discutíamos, aquela relação desgastada por uma única frase: "Quero ser psiquiatra!". Uma simples frase que para uma família pequena de fazendeiros, era o mesmo que dizer: "Vocês é que se explodam! Vocês e o esforço que vocês fizeram para colocar comida na mesa!". Essa frase tem um peso maior, uma vez que sai da primogênita, que já fez o favor de ter nascido colocando tudo no gênero feminino. Ou seja, nem para escolher veterinária ou jardinagem, ou até mesmo algo que envolvesse comida, tinha que ser o estudo da mente?!...

Quando completei 20 anos percebi que se continuasse na fazenda nunca conseguiria fazer minha faculdade, foi quando depois de dois anos voltei a falar com meu pai. Mesmo a nossa despedida foi silenciosa, a única frase dita por ele foi um frio "Não volte mais!" e assim o fiz, foi a última coisa que ouvi dele, o rosto opaco de expressão gélida me atormentava todas as noites.

Agora, olhando para as palavras escritas nesse post-it, deixado na escrivaninha do meu quarto, pela minha mãe que foi embora sem dizer um "Adeus" sequer, percebo o quanto aquele dia me marcou.Esfrego meus olhos impedindo as lágrimas, que estão a um pulo de escorrer.

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O jantar de enterro do seu pai será na fazenda, às 19 horas.
Se vier, não cause problemas
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...E assim minha folga morreu junto ao meu pai...

"Problemas"?? Talvez, meu erro tenha sido esse. Talvez, se eu tivesse causado mais "problemas" não teria sido um total escândalo quando tomei uma única decisão na minha vida. Agora estou aqui, parada dentro da minha própria mente, tentando entender todas as informações jogadas no meu colo de forma brusca e irrepreensível.-O que devo fazer agora? Deveria ir a um lugar em que não sou desejada?- A sensação que tinha escondido no fundo da minha alma, agora está de volta e mais forte que nunca.-Algo que não foi resolvido, pode ser superado?

Houve uma época em que eu queria ir até ele e extravasar todos os meus pensamentos, deixar todas as lágrimas guardadas caírem. Tinha dias em que simplesmente levantava da cama convicta de que iria colocar tudo para fora. Então, colocava a melhor roupa, os melhores sapatos e o melhor perfume. O que, de alguma forma, nutria, mesmo que inconscientemente, a esperança de mostrar a ele que havia conseguido. No entanto, toda a convicção e coragem que eu tinha se esvaía como água quando pensava em suas palavras frias: "Não volte mais!".

Olhando para trás, me arrependo de não ter falado o que sentia sobre ele. Hoje é tarde demais para isso... O que falaria para um homem morto? "Morto"... É isso que ele é agora, apenas mais um dos defuntos esperando a hora de serem esquecidos a sete palmos abaixo do chão. -Deveria enterrar meus mortos junto a ele!- É isso! Não deveria viver com o peso que uma pessoa que não vive mais um dia me dera. Não seria justo comigo mesma.

Então, irei a esse enterro e falarei tudo o que não pude falar, pelo bem da minha sanidade. Irei ser sincera, mesmo que seja para um corpo sem vida.

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"Por que as pessoas usam preto nos velórios?" Foi essa a pergunta que fiz no aplicativo de busca do meu telefone, pelo visto, esse costume surgiu, aproximadamente no século XVI entre os aristocratas europeus, diziam eles que o "traje" preto era extremamente fino e elegante e quanto mais requintados fossem os trajes, mais importante era a pessoa. Olhando para os dois lados distintos do salão, que dividia as duas famílias: no lado esquerdo, a família da minha mãe vestia jóias, sapatos, bolsas e de modo soberbo observavam o caixão do meu pai e do lado direito, de forma simples a família do meu pai chorava contida. Talvez, os trajes finos não sejam em homenagem ao falecido e sim a mais pura demonstração de poder.
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