A Melodia Oculta

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A primeira vez que vi Cameron foi no evento do campus em que toquei. Eu não sabia quem ele era, mas ele se destacou no meio de toda aquela gente, eu não conseguia desviar o olhar, aqueles olhos que transmitia tanto sua postura transmitia calma, presença e segurança. Estava com alguns amigos e, apesar do ambiente caótico, parecia estar completamente em paz, como se fosse o único ali em sintonia com o próprio ritmo. Foi estranho, confesso. Eu não tinha planejado prestar tanta atenção nele, mas cada vez que meus olhos encontravam o canto onde ele estava, eu era puxada de volta. Ele estava parado do outro lado do salão, observando tudo ao redor com uma expressão curiosa e serena. Ele não sorria nem tentava chamar a atenção como os outros. Eu senti uma conexão quase instantânea, sem entender direito por quê. Talvez fosse a forma como ele estava à margem da maioria, ou como ele parecia completamente à vontade.

Algo no meu peito começou a bater mais forte. Eu queria me afastar, me esconder, mas, ao mesmo tempo, queria que ele estivesse ali, quem ele era. Depois de cantar a última nota, senti a tensão soltar do meu corpo como um fio arrebentado. As luzes do palco começaram a apagar, e eu sabia que precisava sair dali, rápido.

Dei um passo para trás, mas meu olhar cruzou com o dele. Ele estava ao fundo, me observando com uma intensidade que me deixou paralisada por um momento. Era um olhar diferente, mais fundo, mais firme, sem a pressa de quem olha só por olhar. Ele me via, eu sinto isso. E eu não sabia o que fazer com essa sensação.

Meu coração bateu mais rápido. Tentei desviar o olhar, mas era como se eu estivesse presa naquele instante, como se tudo ao redor tivesse se calado e restasse apenas o som abafado do meu próprio peito. Algo nele me fez sentir exposta, como se conseguisse enxergar cada marca que eu tentava esconder. Foi reconfortante e assustador ao mesmo tempo.

Senti o peso das lembranças começando a escorregar, subindo até minha garganta como uma onda que eu conhecia bem. Preciso respirar fundo para me segurar, para não desmoronar na frente de todo o mundo. Não ali, na frente dele.

Assim que terminei a última nota, saí quase correndo pelos bastidores, atravessando o corredor que levava à saída de emergência. Precisava de ar. Sentia o peito apertado, cada vez mais, como se alguém estivesse afundando as mãos nas minhas costelas, apertando cada vez mais forte. Meu corpo tremia enquanto tentava empurrar a porta de saída, e foi quando minha visão começou a turvar. Respirei fundo, mas o ar não parecia suficiente.

Do lado de fora, me apoiei na parede fria e deixei a cabeça encostar ali. As luzes da rua parecem embaraçar a minha visão, enquanto tudo ao redor perde o foco. Eu estive outra vez de volta a um daqueles momentos de terror da infância, aqueles segundos eternos em que o pânico tomava conta de mim, sem aviso. Como se meu corpo tivesse gravado o medo na pele e disparasse o alarme cada vez que eu me sentisse exposta.

Era irônico, eu sabia. A única forma de fazer o que eu mais amava - cantar e tocar - era eu colocar em frente a todas aquelas pessoas, exatamente no lugar onde meus gatilhos vinham à tona. Eu sabia que aquele era o preço que pagava. Por alguns minutos de liberdade no palco, eu preciso enfrentar uma batalha interna, uma luta comigo mesma para controlar o pânico que veio logo em seguida.

Minha respiração estava descompassada, entrecortada, enquanto tentava repetir para mim a mesma coisa que sempre funcionava: "Você está segura. Está tudo bem ele não pode te achar aqui" Mas as palavras soavam vazias, e as imagens ainda vinham, as memórias começavam a se misturar com a realidade.Por um instante, foi como se eu estivesse de volta. Era uma memória que eu tentava enterrar, mas que sempre se recusava a ficar escondida. Eu podia sentir a água fria, a pressão na minha cabeça enquanto tentava subir à superfície e o desespero de me sentir sozinha, sem ar, sem saída. As mãos que me empurravam de volta, o pânico de lutar para respirar.

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