A primeira luz da manhã invadiu o quarto de forma suave, envolvendo Orm em uma tranquilidade que ela não experimentava há tempos. Aos poucos, seus olhos foram se ajustando ao novo dia, e quando finalmente pôde ver ao seu lado, encontrou Ling deitada, de costas, com a respiração leve e o corpo relaxado. Era um momento de paz quase sagrado, mas quando o olhar de Orm recaiu sobre as marcas discretas, cicatrizes que cruzavam a pele de Ling, o peito dela se apertou com uma dor inesperada.
Cada marca, cada linha marcada naquele corpo, era um testemunho silencioso das lutas que Ling havia travado e do sacrifício que carregava. Um sacrifício que, de alguma forma, estava diretamente ligado a Orm. Levando o dedo com o máximo de delicadeza, Orm o deslizou sobre as cicatrizes, seu toque leve como uma prece silenciosa. Os dedos pararam em cada detalhe, em cada pedaço marcado, como se ela pudesse, de alguma forma, apagar cada dor que Ling já havia sentido, cada sofrimento que aquelas cicatrizes representavam.
Ling despertou ao sentir o toque, mas permaneceu imóvel, talvez querendo permitir que Orm absorvesse tudo, ou talvez por também precisar daquele momento de intimidade silenciosa. Orm continuou a traçar os caminhos das cicatrizes, uma expressão de profunda tristeza em seu rosto.
— Sinto muito... — sussurrou Orm, com a voz embargada, como se aquelas palavras carregassem toda a culpa que ela havia acumulado.
Ling respirou fundo, sua voz saindo baixa e calma.
— Está tudo bem... — murmurou ela, sem se virar. — Essas marcas são o lembrete de que você está viva, de que ainda estamos aqui... graças a elas.
Orm fechou os olhos, tentando conter a maré de emoções que ameaçava transbordar.
— Você não merecia ter passado por isso, Ling.
Ling então se virou, e seus olhares se encontraram, suas almas em sintonia naquele instante silencioso. Um sorriso tranquilo e resiliente tocou os lábios dela.
— Nenhuma de nós merecia, mas, se fosse necessário... — Ling disse, segurando o rosto de Orm entre suas mãos. — Eu sentiria tudo de novo, passaria por cada dor, para garantir que você estivesse segura.
Orm tentou responder, mas as palavras ficaram presas em sua garganta, um nó que misturava a dor, a gratidão e o amor que sentia por Ling. Ela buscava nos olhos dela alguma resposta, algum consolo que a permitisse encontrar as palavras certas, mas o peso daquela conversa era maior do que qualquer frase poderia suportar.
Ling desviou o olhar, como se também buscasse no silêncio a força para continuar, escolhendo com cuidado o que precisava dizer. Ela suspirou, seus dedos entrelaçados aos de Orm, e sua voz saiu com uma firmeza vulnerável, carregando a verdade de anos de luta e sacrifício.
— Nós duas... — começou Ling, a voz trêmula, mas decidida. — Nascemos com fardos que nunca pedimos. Cicatrizes e dores que não escolhemos carregar... tudo em nome de algo que nos foi imposto. Algo maior que, ironicamente, nunca nos deu a chance de decidir se queríamos mesmo esse caminho.
Ela fez uma pausa, deixando as palavras se assentarem entre elas. Era um lembrete amargo, mas também uma confissão. Elas estavam ali, duas almas marcadas pela mesma responsabilidade cruel, e nenhuma delas havia pedido para ser parte de um plano tão vasto e impiedoso.
— Mas, apesar de tudo... — Ling continuou, agora com os olhos voltando para Orm, como se buscasse nela o alívio que nunca encontrou em lugar nenhum. — Eu escolheria você, Orm. Com todas as cicatrizes, com todas as dores, com todas as feridas que precisei carregar. Mesmo com o mundo contra nós, mesmo que tudo fosse escuridão, eu ainda te escolheria. Cada marca que carrego, cada momento em que quase perdi a esperança... eu passaria por tudo outra vez, sabendo que no fim desse caminho há você.

VOCÊ ESTÁ LENDO
a Dança do Eclipse- LingOrm (PAUSADA)
FanficEm um universo onde religião e ordem ditam a verdade, até que ponto um amor pode ser considerado impossível, quando nem o céu nem o inferno conseguem conter o desejo ardente entre duas almas? Após um inesperado reencontro, paixões antigas ressurgem...