Capítulo1: Sussurros na Neve

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Era início de dezembro. A cidade, envolta em uma suave iluminação natalina, parecia respirar um ar de alegria festiva. As luzes piscavam como estrelas caindo do céu, enquanto os primeiros flocos de neve começavam a dançar lentamente, cobrindo as ruas com um manto branco e fresco. Mas naquele dia, ninguém estava tão alegre quanto Aleena.

Ela segurava em mãos a carta de aceitação da faculdade de medicina mais prestigiada do país. O papel amarelado parecia brilhar sob a luz artificial, como se carregasse o peso de todos os sonhos que ela havia nutrido durante anos. Aleena sempre fora uma garota determinada; cada noite passada estudando, cada final de semana trancada em seu quarto com livros e anotações, agora valia a pena. Uma onda de realização indescritível a envolvia, aquecendo seu coração.

- Que se dane! Hoje eu vou beber até cair! - exclamou Aleena, sua voz cheia de entusiasmo enquanto pegava o celular para ligar para Ester, uma das poucas amigas que lhe restavam desde os tempos do ensino médio.

- Alô? - respondeu Ester, sua voz sonolenta quase como um sussurro.

- Amiga! Eu passei!! - Aleena gritou, quase chorando de alegria.

- Passou no quê? - Ester questionou, ainda envolta em seu sono.

- Não finja que não sabe! Estou te esperando no pub perto da praça, aquele que fomos mês passado... - Aleena continuou falando animadamente enquanto olhava para o sinal fechado e decidiu atravessar distraidamente.

O mundo ao seu redor parecia vibrar com a energia da sua felicidade. Ela mal percebeu quando o sinal mudou. O barulho ensurdecedor de um motor rugindo cortou o ar festivo. O tempo pareceu desacelerar; Ester gritou ao fundo:

- ALEENA? ALEENA!?

E então tudo se apagou.

O corpo desfigurado e sem vida de Aleena jazia no chão gelado, alguns metros à frente da faixa de pedestres pela qual havia atravessado. O motorista do carro que a atropelara, mal conseguia falar, seus olhos embaçados pela embriaguez e pelo horror da situação. A multidão se aglomerava ao redor dela: alguns ligavam para a ambulância, outros apenas observavam horrorizados ou filmavam com seus celulares. No final das contas, não importava; a vida de Aleena neste mundo havia chegado ao fim.

Mas o que é o fim senão um novo começo?

Quando tempo havia se passado? Horas? Dias? Semanas? Aleena não sabia. Agora estava presa em um mar de escuridão absoluta. Não podia falar, ouvir, sentir ou ver; tudo que fazia era cair e cair em um abismo sem fim.

Depois de uma quantidade incerta de tempo - que poderia ser uma eternidade ou apenas alguns momentos - ela finalmente sentiu algo. Era como se tivesse caído bruscamente no chão duro e frio; a sensação era semelhante àquela de pular de um prédio alto e se esborrachar no chão. Com certeza não era nada agradável... Mas com isso veio uma mudança: seu corpo antes inerte agora podia mover-se.

Aleena sentia seus membros se agitando; seus dedos se moviam lentamente, e seu maxilar se abriu involuntariamente como se quisesse produzir algum som - qualquer som - mas não saía nada além do eco do silêncio.

A confusão tomou conta dela. Onde estava? O que estava acontecendo? A sensação estranha de ser apenas um corpo vagante sem qualquer sentido ou direção era aterrorizante. Era uma nova existência marcada pela ausência total dos sentidos que antes conhecia.

Após o que pareceram horas vagando nesse estado nebuloso, Aleena começou a fazer algumas descobertas sobre seu novo corpo. A primeira: ela não podia ver ou ouvir nada; tudo ao seu redor permanecia envolto em trevas profundas. A segunda: não sentia fome ou dor; era como se sua essência tivesse sido desconectada do mundo físico.

Era uma condição estranha e assustadora...

Enquanto flutuava nessa escuridão interminável, visões começaram a surgir em sua mente como flashes distorcidos: lembranças fragmentadas da vida que deixara para trás - risos compartilhados com Ester, as tardes ensolaradas estudando na biblioteca da escola e até mesmo os momentos solitários em seu quarto enquanto lutava contra as dúvidas e inseguranças sobre seu futuro.

Em meio a essa névoa mental, um pensamento perturbador começou a emergir: *E se isso não fosse realmente o fim?* E se houvesse algo mais além daquela escuridão infinita?

De repente, uma sensação gelada percorreu sua espinha; não era apenas frio físico, mas uma presença - algo ou alguém observando-a nas sombras. O medo começou a rastejar por ela como uma serpente silenciosa.

Então veio o sussurro.

Era suave no início, como o vento acariciando as folhas das árvores em uma noite tranquila:

- Aleena...

A voz era familiar e distante ao mesmo tempo. Ela tentou responder, mas suas palavras estavam perdidas na escuridão.

- Você não deveria estar aqui... - continuou a voz etérea com um tom melancólico que fez seu coração acelerar.

Um frio profundo tomou conta dela quando percebeu que aquela presença não era amiga; era algo muito mais sinistro. Uma sombra encarnada na própria essência do medo. As memórias começaram a se misturar com visões distorcidas: rostos conhecidos torcidos em expressões grotescas de dor e desespero.

- Você teve uma chance... Agora é hora do pagamento! - sussurrou novamente a entidade sombria, suas palavras reverberando nas paredes invisíveis daquela prisão eterna.

Aleena queria gritar; queria correr para longe daquela voz horrenda e dos rostos torturados que agora cercavam sua mente. Mas não podia fazer nada além de flutuar na escuridão enquanto lembranças suas passavam como sombras fugazes: cada erro cometido na vida real agora ressurgindo em forma de tormento.

Com cada sussurro maligno ecoando dentro dela, Aleena começou a entender: essa nova existência tinha regras próprias, consequências por escolhas feitas ou deixadas para trás. Aquela presença sombria estava ali para cobrar os débitos da vida que ela havia levado - um lembrete cruel das oportunidades perdidas e dos caminhos não escolhidos.

E assim começou sua jornada através daquele reino obscuro onde as almas perdidas vagavam eternamente à procura da redenção que nunca chegava.

Aleena lutou contra essa realidade aterrorizante enquanto tentava lembrar quem realmente era antes daquele fatídico dia. Cada pedaço da sua identidade parecia escorregar entre seus dedos como areia fina; ela precisava lutar contra isso.

A escuridão começou a mudar ao seu redor; formas indistintas começaram a emergir das sombras - almas semelhantes à dela flutuando sem direção definida. Algumas pareciam atordoadas pela perda; outras estavam consumidas pela raiva ou pelo desespero absoluto.

Era um verdadeiro labirinto psicológico onde cada alma refletia partes dela mesma; ali estavam suas esperanças esmagadas e medos mais profundos expostos à vista nua. Cada visão era mais perturbadora do que a anterior: amigos perdidos em tragédias pessoais, familiares afastados por desentendimentos irreparáveis... E logo ali estava Ester - sua amiga tão querida - chorando sobre um caixão coberto por flores brancas na nevasca fria do funeral que nunca deveria ter acontecido.

Aleena sentiu algo romper dentro dela ao ver aquela cena dolorosa; as lágrimas eram invisíveis naquela escuridão opressora, mas ela sabia que estava chorando por dentro por tudo aquilo que havia perdido - por Ester e por si mesma.

No entanto, mesmo cercada por esse desespero absoluto, algo despertou nela uma chama tênue: *a vontade de lutar*. Ela começou a explorar esse espaço sombrio onde existia agora; tentando encontrar algum sentido naquele caos emocional.

Conforme navegava pelas correntes invisíveis daquela dimensão tortuosa das almas perdidas, começou também a perceber pequenos fragmentos de luz entre as sombras - memórias felizes surgindo como estrelas brilhantes numa noite sem lua: risos compartilhados com Ester durante os anos escolares... Os sonhos ardentes sobre ser médica... O desejo profundo de mudar vidas através da cura...

E então ela compreendeu: mesmo na morte havia esperança!

Determinada a encontrar o caminho para sair daquele pesadelo interminável e retornar à vida - mesmo sabendo quão difícil seria - Aleena começou a buscar as outras almas perdidas ao seu redor. Com cada novo encontro e cada história compartilhada sobre suas vidas passadas (e erros cometidos), Aleena aos poucos, foi se tornando mais forte...

ÚLTIMO SUSPIRO: As sombras de um novo começo.Onde histórias criam vida. Descubra agora