KELVIN

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— Acho que isso não é uma boa ideia — digo a Jonatas, retirando minhas pilhas de caixas de leite da parte de trás de seu carro. — Eu me sinto como um aproveitador.
Meu namorado mostra aquele inclinar de lábios peculiar, onde você só vê uma parte dos dentes.
— E o que você vai fazer então? — Ele olha para mim, puxando minha mesa de desenho desmontável e a levanta. — Vai ficar com seus pais?
Noto seus olhos castanhos semicerrados, provavelmente pela falta de sono, enquanto caminhamos até os degraus da varanda da casa de Ramiro Neves para deixar nossas coisas.
Nosso novo lar.
Os últimos dias foram malucos, e não consigo acreditar que esse homem seja seu pai. Quais são as chances? Gostaria que tivéssemos nos conhecido de um jeito um pouco diferente. Não indo até a delegacia às duas horas da manhã para tirar o filho – meu namorado – da cadeia.
— Para com isso, já te disse — diz Jonatas, voltando para o carro para pegar mais coisas. — Foi meu pai quem ofereceu que ficássemos aqui. Nós só temos que fazer as tarefas da casa, e isso nos dá a chance de economizar para um novo lugar. Um lugar melhor.
Certo. E quantos filhos voltam para a casa dos pais para fazer exatamente isso e acabam ficando por mais três anos? Seu pai tinha que saber no que estava se metendo.
Farei todos os esforços para ir embora o mais rápido possível, mas Jonatas não economiza dinheiro. Arrumar um lugar novo, com um depósito caução – sendo que inclusive perdemos um com o apartamento anterior devido a pequenos danos nos tapetes – e os utensílios, precisará de uma grana considerável. Assim que conseguirmos um apartamento, Jonatas pode ajudar a pagar por ele, mas arrumar e montar vai ficar por minha conta.
      Já se passaram três dias desde o dia do cinema em que conheci Ramiro Neves. Assim que pegamos o Jonatas, voltei para casa e encontrei nosso apartamento completamente destruído. Aparentemente, ele estava tentando me dar uma festa de aniversário de última hora, mas nossos amigos – seus amigos – não esperaram para começar as festividades. Às onze horas, todos estavam bêbados, a pizza tinha acabado, mas, ei, eles guardaram um pedaço de bolo para mim.
Precisei ir ao banheiro para não chorar na frente deles quando vi o lugar.
Parece que uma briga ocorreu durante a festa, os vizinhos reclamaram do barulho, Jonatas desacatou a polícia, e ele e um amigo foram levados para se acalmarem. Paulo, o proprietário do lugar, informou em termos inequívocos que aguentou o máximo que pôde e Jonatas precisava sair. Eu podia ficar, mas não tinha como pagar tudo sozinho. Não depois de já ter acabado com as minhas economias, ajudando a consertar o carro dele no mês passado.
E graças a Deus, os policiais o deixaram sair sem fiança desta vez, porque eu não tinha cem reais para espremer de qualquer lugar, muito menos dois mil e quinhentos.
— Você é filho dele — eu lembro Jonatas, pegando minha luminária de chão, uma das únicas coisas grandes que não colocamos no depósito temporário, visto que o pai de Jonatas já tinha um dos quartos de hóspedes mobiliados. — Mas eu também ficar aqui com ele pagando todas as contas? Não é certo.
— Bem, penso que não é certo que eu passe todos os dias sem isso — ele brinca com um sorriso pretensioso enquanto me puxa para ele e envolve meu corpo com os braços. Solto a luminária e sorrio, cedendo à sua brincadeira, embora não esteja no clima. Já faz muito tempo que não fico tranquilo o suficiente para esquecer o estresse que nos atinge a cada esquina. Nós não temos tido motivos para sorrir juntos há um tempo, e está começando a não acontecer mais, de forma natural.
Mas agora, ele tem aquele brilho de menino nos olhos como se fosse simplesmente o mais adorável dos furacões dizendo: "você não me ama?".
Ele encosta a testa na minha, e subo as mãos, entremeando os dedos pelo seu cabelo preto olhando em seus olhos escuros que sempre dão a impressão de que acabou de se lembrar de que tem uma torta inteira esperando por ele na geladeira.
Pegando a minha mão direita na dele, Jonatas aprisiona as duas unidas entre nós, e eu aperto a sua mão contra a minha, já sabendo o que ele está fazendo. Nossos dedos se entrelaçam, os polegares lado a lado, e ele prende meu olhar ao seu, as mesmas memórias passando entre nós.
Para qualquer outra pessoa, parece um abraço apertado, mas quando olhamos para baixo, vemos nossos polegares lado a lado e a pequena cicatriz do tamanho de uma ervilha que compartilhamos apenas com uma outra pessoa. É bobagem quando contamos às pessoas a história – a arma "Nerf" do irmãozinho de um amigo, que era pequena demais para as nossas mãos, e nos esfolamos quando tentamos usá-la, os três rindo ao perceber que tínhamos uma cicatriz igualzinha na ponta de nossos metacarpos.
Agora somos Jonatas e eu. Apenas nós dois. Duas cicatrizes, não mais três.
— Fique comigo, tá? — sussurra. — Eu preciso de você.
E por um raro momento, vejo vulnerabilidade.
Uma vez eu também precisei dele, e ele me ajudou. Nós passamos por muita coisa, e é provavelmente meu melhor amigo.
É por isso que eu sempre o perdoo. Não quero que ele sofra.
E é por essa razão que o deixo me convencer disso. Não quero mesmo morar com meu pai e minha madrasta, e é só até quando o verão acabar. Assim que meus empréstimos estudantis diminuírem no outono, e eu tiver economizado o dinheiro do trabalho deste verão, serei capaz de pagar meu próprio aluguel de novo. Acho.
  Jonatas me abraça e fica quieto. Ele sabe que ainda estou bravo com ele por ter sido preso e pelo estrago no apartamento, mas sabe que eu me importo. Estou começando a me perguntar se é um dos meus defeitos. Definitivamente minha fraqueza.
Ele desce a mão e agarra a minha bunda, mergulhando a cabeça no meu pescoço me beijando. Arfo quando me aperta contra ele, e dou risada, me contorcendo para sair de seus braços.
— Pare! — repreendo com um sussurro ao olhar nervoso para a casa de dois andares atrás de mim. — Nós não temos privacidade mais.
Ele sorri.
— Meu pai ainda está no trabalho, amor. Ele não chega antes das cinco da tarde.
Oh. Bem, pelo menos algo bom. Olho de um lado ao outro pela vizinhança, e vejo casa após casa, cortinas abertas e crianças brincando aqui e ali. Não é como nos apartamentos onde todos veem sua vida, mas não estão nem aí, porque você só está de passagem e não ficará por perto tempo suficiente para que alguém ache que mereça a atenção deles. Aqui, em um bairro de verdade, as pessoas investem seu tempo em seus vizinhos.
Respiro fundo, absorvendo o cheiro de churrasco e o som dos cortadores de grama. É um bairro muito legal. Queria saber se isso poderia ser meu algum dia. Encontrarei um bom trabalho? Terei uma casa legal? Serei feliz?
Jonatas volta a encostar sua testa na minha. — Sabe, eu queria pedir desculpas. — Ele não olha para mim, encarando o chão. — Eu continuo estragando tudo e não sei porquê. Sou tão agitado. É só que eu não...
Mas ele não termina. Apenas balança a cabeça e eu sei. Sempre sei.
Jonatas não é um fracassado. Ele tem vinte e um anos. Impulsivo, irritado e confuso.
Mas ao contrário de mim, ele nunca precisou amadurecer. Há sempre alguém tomando conta dele.
— Você sabe o que está destinado a ser — digo. — Comprometer-se a isso é um processo diferente para todos, mas você chegará lá.
Ele ergue os olhos, e um momento de hesitação cruza seu olhar como se fosse dizer alguma coisa, mas depois some. Em vez de dizer algo, sorri daquele jeito arrogante.
— Eu não te mereço — diz, e me dá um tapa na bunda.
Dou um pulo, ainda irritado enquanto nos soltamos. Não, você não merece. Mas é bonito e faz boas massagens.
Terminamos de descarregar o carro e de fazer várias viagens para levar tudo para dentro. Deixo a pequena compra que fiz no mercado mais cedo, na cozinha e, depois, carrego uma última caixa pela sala subindo as escadas até o nosso quarto, na primeira porta à esquerda.
      Solto uma longa respiração conforme viro e atravesso a porta para o nosso novo quarto, incapaz de esconder o sorriso com o cheiro de tinta fresca. Pela aparência da casa, o pai de Jonatas está reformando. Mas parece que a parte mais pesada do trabalho já está feita. Chão de madeira reluzente no andar de baixo, sancas combinando em todos os cômodos, bancadas de granito na cozinha com todos os utensílios domésticos de aço inox, parecendo novos, e os armários pretos e de vidro que fizeram meu coração palpitar um pouco. Eu nunca tinha vivido em um lugar, nem de perto, tão bonito assim. Para um trabalhador da construção civil, Ramiro Neves não era um decorador ruim.
      É definitivamente uma casa boa. Um lugar muito legal, na verdade. Não que seja uma mansão – apenas uma casa simples de dois andares com uma pequena varanda que leva até a porta da frente –, mas é reformada, bonita, bem cuidada, e as áreas da frente e de trás são gramadas.
      Coloco a caixa no chão e caminho até a janela, espiando entre as persianas. Um quintal de verdade. A situação de vida da mãe de Jonatas nem sempre foi boa, então é bom saber que ele tem aqui um bairro bacana e seguro sempre que precisar. Gostaria de saber por que ele sempre dá a impressão de que precisava de alguém para tomar conta dele quando poderia ficar nesse lugar em qualquer momento que quisesse. O que está acontecendo entre ele e o pai?
      Algum dia, terei um lugar assim também. Meu pai, infelizmente, vai morrer naquele trailer em que cresci.
      Jonatas entra, jogando algumas malas na cama e imediatamente sai de novo, pegando seu celular.
   — Acha que seu pai vai se importar se eu usar a cozinha? — pergunto, seguindo-o para fora do quarto. — Comprei os ingredientes para fazer hambúrguer.
      Ele continua andando, mas escuto sua risada baixa.
   — Não consigo imaginar que qualquer pessoa, mesmo meu pai, vá dizer que não pode usar a cozinha para cozinhar, amor.
      É, tá bom. Eu sigo no corredor até chegar na cozinha.
      Costumava gostar de fazer as obrigações de Jonatas. Manter a casa limpa – ou apartamento – e vê-lo sorrir ao perceber que mais uma vez eu tinha lavado a louça da janta e ele poderia continuar jogando videogame. Mas isso passou a ser unilateral nos últimos meses.
      Seu pai está fazendo muito por nós, e cozinhar algumas noites por semana faz parte do acordo, então não tenho qualquer problema em manter minha parte. Bem, a nossa parte, mas Jonatas não vai cozinhar, então deixarei a manutenção do quintal com ele, já que seu pai também estipulou ser sua responsabilidade no acordo.
      Ramiro Neves. Precisei me esforçar para não pensar naquele dia no cinema. Ainda não consigo acreditar na casualidade de toda a situação.
      Continuo me lembrando do palito de fósforo no donut, e o discurso de encorajamento que ele me deu sobre ir atrás do que eu quero. Uma parte minha, no entanto, teve a sensação de que ele também estava dizendo aquelas coisas para si mesmo. Experiência e talvez um pouco de decepção misturadas em seu tom, e eu quero saber mais sobre ele. Por exemplo, como ele era no papel de pai tão jovem.
      E daí que eu o achei bonito? O que tem isso? Acho Chris Hemsworth bonito. E Ryan Gosling, Tom Hardy, Henry Cavill, Jason Momoa, os irmãos Winchester... Não é como se eu tivesse pensamentos sexuais, pelo amor de Deus. Não precisa ficar esquisito.
      Não pode. Estou com o filho dele.
      Andando até uma das cadeiras na mesa da cozinha, tiro meu celular da bolsa e abro o aplicativo de música, "Jessie's Girl" começa a tocar imediatamente de onde parou depois da minha corrida esta manhã. Dou uma conferida na cozinha, bem como uma rápida passada pela sala, checando para ver se não tem nada nosso para trás. Não quero incomodar seu pai mais do que já estamos fazendo.
      Ando até a geladeira, deslizando a mão sobre a bancada da ilha central conforme passo. Enquanto os outros balcões são de granito marrom com respingos de preto, o do meio é de madeira. A madeira lisa é agradável sob as pontas dos meus dedos, e não sinto nenhum sulco talhado. A cozinha inteira parece recentemente reformada, então talvez ele não tenha usado muito a tábua de cortar. Ou talvez não seja um grande cozinheiro.
      Um lustre em tom acobreado paira sobre a ilha, e dou uma pequena pirueta antes de me aproximar da geladeira, rindo baixinho. É bom poder se mover sem esbarrar em algo. A única coisa que essa cozinha precisa para me surtar de vez seria um backsplash – revestimento diferente das demais paredes – entre os balcões e os armários. Esse recurso é a última moda.
      Abrindo a geladeira, pego carne moída, manteiga e muçarela, fechando a porta com o pé enquanto me viro e coloco tudo na ilha. Pego as duas cebolas que deixei no balcão antes e agito a cabeça com a música, deslizando e balançando, tirando uma faca do suporte e começo a cortá-las em rodelas bem fininhas.
      A música nos meus ouvidos acelera, os pelos dos braços se arrepiam e sinto uma explosão de energia nas pernas, pela vontade de dançar, mas me seguro. Tomara que Ramiro não se importe de música dos anos 80 tocando em sua casa de vez em quando. Ele não disse nada sobre não gostar delas, no cinema, mas também não contava que fôssemos morar com ele.
      Fingindo estar dublando a música e balançando a cabeça seguindo o ritmo, faço seis grandes hambúrgueres com as mãos e começo a colocálos numa panela limpa já aquecida e untada com manteiga derretida.
      Meus quadris rebolam de um lado a outro quando sinto cócegas na cintura. Dou um pulo, o coração pulando no peito ao mesmo tempo em que o ar fica preso na garganta.
      Virando, vejo minha irmã atrás de mim.
   — Berê! — ofego.
   — Te peguei — brinca, sorrindo de orelha a orelha e volta a me cutucar nas costelas.
      Paro a música no celular.
   — Como você entrou? Não ouvi a campainha.
      Ela caminha ao redor da ilha, se senta em uma banqueta, descansando os cotovelos no balcão, e pega uma rodela de cebola.
   — Encontrei o Jonatas lá fora — explica. — Ele me disse para entrar.
      Inclino a cabeça, espiando pela janela, e o vejo com alguns amigos ao redor do velho carro da minha avó que o pai dele pagou para ser rebocado até aqui, já que não está funcionando. Não podia deixar no apartamento, e parece que Jonatas está finalmente cumprindo sua promessa de consertá-lo, para que eu possa usar.
      O chiado da carne fritando atinge meus ouvidos e volto para o fogão, virando os hambúrgueres. Um respingo de gordura cai no meu braço e estremeço com a dor.
      Sei que a Berê está aqui para verificar como estou. Velhos hábitos e tal.
      Minha irmã só tem quatro anos a mais que eu, mas era a mãe que nossa mãe não foi quando precisava ser. Fiquei naquele trailer até me formar no ensino médio, mas Berê saiu quando tinha dezesseis anos e está por conta própria desde então. Apenas ela e seu filho.
      Olho no relógio, vendo que já passava das cinco. Meu sobrinho deve estar com a babá agora, e ela deve estar indo para o trabalho.
   — Então, onde está o pai? — pergunta.
   — Ainda no trabalho, presumo.
      Ele vai chegar em breve, no entanto. Coloco os hambúrgueres em um prato e pego os pães, abrindo o pacote.
   — Ele é legal? — ela finalmente pergunta, parecendo hesitante.
      Estou de costas para ela, portanto, não pode ver o meu incômodo. Minha irmã é uma mulher que não mede as palavras. O fato de seu tom ser um tanto cuidadoso mostra que provavelmente está tendo pensamentos que não quero ouvir. Por exemplo: "por que diabos simplesmente não aceito o emprego em que ganharei mais, que seu chefe me ofereceu no ano passado, podendo assim ficar no meu apartamento?".
   — Ele parece legal. — Aceno, dando uma olhada para ela. — Um pouco quieto, acho.
   — Você é quieto.
      Sorrio para ela, corrigindo-a:
  — Eu sou sério.. Tem diferença.
      Ela ri e senta-se direito, puxando para baixo a bainha de sua regata branca, o sutiã de renda vermelho por baixo bastante visível.
   — Alguém tinha que ser sério em nossa casa, acho.
      "Na casa em que crescemos", ela quer dizer.
      Ela joga o cabelo castanho por cima do ombro e vejo seus longos brincos prateados, que combinam com a maquiagem brilhante, os olhos esfumaçados e os lábios cintilantes.
   — Como está o Danielzinho? — pergunto, lembrando do meu sobrinho.
   — Um pirralho, como de costume — responde. Mas então para como se estivesse se lembrando de algo. — Não, espere. Hoje ele me contou que disse aos amigos que sou a irmã mais velha dele quando fui buscá-lo na creche. — Ela bufa. — O merdinha tem vergonha de mim. Mas mesmo assim, eu respondi, tipo: "Uau, as pessoas realmente acreditam nisso?" — E então joga o cabelo para trás de novo, exagerando em seus movimentos. — Quero dizer, ainda estou com tudo em cima, né?
   — Você tem só vinte e quatro anos. — Cubro o hambúrguer com muçarela ralada, acrescento outro hambúrguer e jogo mais queijo. — Claro que você está ótima.
   — Mmm-hmm. — Ela estala os dedos. — Tenho que conseguir essa grana enquanto posso.
      Olho em seus olhos, por apenas um segundo, mas basta para ver seu humor fraquejar. A forma como seu sorriso atrapalhado parece um pedido de desculpas e como ela pisca, preenchendo o silêncio enquanto suas palavras estranhas pairam no ar.
     E na maneira como ela desce a bainha da regata para cobrir o máximo de barriga que pode na presença de seu irmãozinho.
      Minha irmã odeia o que faz para ganhar a vida, mas gosta mais do dinheiro.
      Ela finalmente volta sua atenção para mim, seu tom soando quase acusador.
   — E o que está fazendo, a propósito?
   — O jantar. Ela sacode a cabeça, revirando os olhos.
   — Então, você não só não larga do homem com quem está, mas agora virou o empregado de outro?
      Coloco algumas rodelas de cebola por cima da muçarela do primeiro lanche e cubro com o pão.
   — Não sou.
   — É sim.
      Eu olho para ela.
   — Estamos ficando aqui, neste bairro fantástico. E não se esqueça, sem pagar aluguel. O mínimo que posso fazer é garantir para mantermos nossa parte no combinado. Nós limpamos e faremos algumas das refeições. Só isso.
      Sério, sua sobrancelha direita arqueia e ela cruza os braços, não acreditando em mim. Ah, pelo amor de Deus. Na verdade, acredito que estamos ganhando muito mais com esse acordo do que Ramiro Neves, afinal de contas. Ar condicionado, TV a cabo e Wi-Fi, um closet...
      Estendo o braço sobre o balcão e subo as persianas, gritando para que ela saia do meu pé.
   — Ele tem uma piscina, Berê! Quero dizer, fala sério?!
      Seus olhos se arregalam.
   — Não brinca?
      Ela desce da banqueta e sai correndo, olhando para o quintal. A piscina é perfeita. Tem a forma de ampulheta, o piso multicolorido no chão é de estilo mediterrâneo e o caminho para entrar na piscina forma um mosaico. O pai de Jonatas ainda deve estar trabalhando nela, porque tem uma placa de vidro na outra extremidade da piscina, com canteiros para flores e canos para pequenas cascatas que ainda não estão funcionando. Tem uma mesa e cadeiras espalhadas pelo quintal, e no resto do gramado tem vários móveis de jardim ainda fora do lugar, aparentemente. Uma mesa com guarda-sol está à direita, ao lado da mangueira, e uma churrasqueira coberta com lona à esquerda.
      Minha irmã acena, aprovando.
   — Aqui é legal. Seu destino sempre foi morar em uma casa assim.
   — E quem não merece o mesmo? — rebato. Todos deveriam ter tamanha sorte.
      Embora ainda pareça errado ficar aqui. Eu me importo muito com Jonatas, e prefiro estar com ele do que com meu pai.
      Termino de preparar os sanduíches enquanto ela se vira, segura na borda do balcão com as mãos e me encara.
   — Tem certeza de que tudo o que ele quer é um pouco de limpeza e comida? — pressiona. — Homens, não importa a idade, são todos iguais. Eu sei muito bem.
      Sim, já pode calar a boca agora. Sei cuidar de mim. Se namorados do ensino médio e trabalhar em um bar não me ensinaram isso a essa altura...
      Mas ela fala de novo, invadindo meu espaço pessoal e me detém:
   — Só me escute por um segundo. — Seu tom fica mais duro. — A casa é boa, o bairro é seguro e, sim, dá para você economizar um pouco de dinheiro. Mas não precisa ficar aqui.
   — Não é do papai e da nova esposa dele, então isso basta — retruco. — E não posso ficar com você. Agradeço a oferta, mas não posso dormir no sofá atrapalhando as pessoas e ainda conseguir estudar com um menino de quatro anos querendo ser uma criança em sua própria casa.
      Tenho aula no verão às quintas-feiras, então preciso de um pouco de espaço para trabalhar.
   — Não foi o que eu quis dizer — responde depressa. — Você podia ter ficado naquele apartamento. Teria conseguido bancar.
      Abro a boca, mas volto a fechá-la, virando para colocar os sanduíches no forno por alguns minutos.
      Aquilo de novo, não. Quando ia desistir disso?
   — Não posso, tá? — digo. — Eu não quero. Gosto do meu trabalho e não quero trabalhar aonde você trabalha.
   — Mas é claro que você não quer. — Ela me dá um olhar aborrecido. — Está abaixo de você, né?
   — Não foi o que eu disse. Não desvalorizo minha irmã por causa de seu trabalho. Ela dá comida e veste seu filho. Engoliu o orgulho e fez o que precisava, e eu a amo por isso. Mas – e eu nunca diria isso na cara dela – não é uma carreira que ela teria escolhido para seguir se tivesse outras opções.
      E eu ainda não estou sem opções.
      Berê dança no "The Hook" desde os dezoito anos. No início, era apenas um trabalho temporário para aguentar as pontas e sustentar o filho quando seu namorado a deixou. Mas os contorcionismos com a faculdade e o filho acabaram ficando pesados demais e, eventualmente, ela abandonou os estudos. Assim que Daniel começasse o jardim de infância o plano era que tudo voltasse ao normal, mas isso estava prestes a acontecer, e eu não acredito que ela tenha planos imediatos para deixar de trabalhar lá tão cedo. Ela se acostumou com a grana que ganha.
      E quase um ano atrás, o chefe dela me ofereceu um emprego de garçom lá, e desde então, tem ficado no meu pé para aceitar. Dava para fazer mais do que o suficiente para me sustentar, no fim das contas. E, quem sabe, não precisaria pedir tantos empréstimos estudantis também. Alguns anos e só, ela disse. E eu estaria fora.
      Mas eu sei que trabalhar como garçom no bar é só a desculpa que seu chefe usa para conseguir gente para colocar no palco.
      Eu não vou fazer isso. E também não assistirei a minha irmã fazendo isso todas as noites.
      Meu corpo não é público. É pessoal para mim e para quem eu quero mostrar. Continuarei no Naitandai, obrigada.
   — Estou bem onde estou — digo. — Está tudo sob controle.
      Ela suspira.
   — Tudo bem — diz, cedendo por enquanto. — Só esteja preparado, caso isso não dê certo, tá legal?
      "Isso" significa Jonatas e eu morando na casa do pai dele.
      Dou a volta por ela para pegar a limonada da geladeira e, de repente, ouço o ronco baixo de um motor se aproximando. Eu paro, dando uma olhada pela janela, e vejo o canto da caminhonete preta entrando na garagem. A mesma Chevrolet Cheyenne 1971 que eu andei depois do filme naquela noite para buscar Jonatas na delegacia.
      Meu coração acelera, mas ignoro e rapidamente fecho a geladeira.
   — O pai dele chegou — aviso, pegando sua bolsa no balcão entregando para ela. — Você precisa ir.
   — Por quê?
   — Porque aqui não é a minha casa — respondo ríspido, empurrando-a na direção da lavanderia para sair pela porta dos fundos. — Me dê pelo menos uma semana antes de incomodá-lo com todos os meus amigos.
   — Sou sua irmã.
      Escuto uma porta do carro bater.
      Continuo empurrando minha irmã, mas ela plantou os pés no chão.
   — E é melhor você me manter informada — repreende. — Não vou permitir que você deixe algum pervertido de meia-idade e com uma barrigona de cerveja, bastante contente em concordar com um novinho da bunda arrebitada indo morar em sua casa, começar a exigir um pouco mais de seu novo inquilino.
   — Cala a boca. — Mas acabo rindo um pouco.
      É, ele não é barrigudo, de meia-idade ou pervertido. Bem, eu não acho isso.
      Ela vira, me cutucando na barriga de brincadeira e abaixando a voz para um tom profundo e rouco.
   — Vamos, querido. — Ela se esfrega em mim, tentando me abraçar sedutoramente. — Hora de pagar seu aluguel, meu bem.
   — Cale a boca! — sussurro bravo, mas dou risada e tento empurrá-la para fora da cozinha. — Misericórdia, você está me envergonhando. Saia!
   — Não tenha medo — continua, fingindo ser um velho assustador mexendo exageradamente os lábios ao tentar me beijar. — Garotinhos cuidam de seus papais.
      E ela brinca me dando uma "sarrada", apontando a barriga para fora, na tentativa de simular uma barrigona de cerveja com sua cintura de cinquenta e cinco centímetros.
   — Pare com isso! — imploro, com o rosto pegando fogo de vergonha.
      Ela me apalpa de cima a baixo, sorrindo ao mesmo tempo em que tento empurrá-la para fora da cozinha.
      Mas então ela para de repente, seu semblante despenca e seus olhos focam em alguma coisa – ou alguém – atrás de mim.
      Fecho os olhos. Maravilha.
      Virando-me, vejo o pai de Jonatas parado na porta entre a sala e a cozinha, olhando para nós. Um calor sobe pelo meu pescoço ao vê-lo de novo.
      Escuto minha irmã ofegar e me afasto dela, limpando a garganta. Acho que ele não ouviu nada. Assim espero.
      Os olhos dele se movem entre nós e finalmente param em mim. Seu cabelo está um pouco bagunçado, e consigo ver o suor formado pelo dia de trabalho ainda molhado nas laterais, e a barba um pouco mais cheia que da última vez que o vi. Vejo manchas de sujeira preta em seus braços e os tendões nas mãos bronzeadas se flexionam conforme aperta o cinto de ferramentas e a marmita.
      Ele solta uma respiração profunda e se aproxima, colocando suas coisas no balcão.
   — Já se mudaram? — ele me pergunta, passando a mão pelo cabelo.
      Aceno.
   — Sim — solto. — Quero dizer, sim.
      Meu coração está fazendo aquela coisa de novo, parece que está surfando em ondas do mar dentro do peito, e não consigo lembrar o que era para fazer. Então só aceno de novo, piscando até que minha irmã aparece ao meu lado e eu finalmente me lembro do que está acontecendo.
   — Ramiro. Sr. Neves — eu me corrijo. — Desculpa. Esta é a minha irmã, Berê. — Gesticulo para ela. — E ela estava de saída.
      Ele olha para ela.
   — Oi.
      E depois, para meu espanto, seu olhar se volta para mim antes de ver a correspondência no balcão e começar a verificá-la como se não estivéssemos aqui.
      Pisco, um pouco confuso.
      Berê é um furacão. Ela pode ser mais jovem que ele, mas é certamente uma mulher, e a maioria dos homens a olham por mais tempo, em suas longas pernas e nos caros e fartos seios empinados que ela tem sob aquela regata. Mas ele não faz isso.
   — Sim, prazer em conhecê-lo — responde ela. — Obrigada por acolhê-lo em sua casa.
      Ele nos dá um breve olhar e um meio sorriso antes de pegar todas as cartas, colocando-as no suporte de correspondência.
      Berê começa a sair da cozinha e eu a acompanho quando ela entra na lavanderia.
      Assim que está fora de vista, volta-se para mim, move os lábios formando um "minha nossa" com um brilho travesso nos olhos arregalados.
      Cerro o maxilar, apontando o queixo para que continue andando. Ela vai passar por aqui todos os dias para dar em cima dele agora.
      Escuto Ramiro atrás de mim, abrindo um dos fornos e me viro.
   — Estava preparando o jantar — comento. — Para nós três. Não tem problema, tem?
      Ele fecha o forno e noto o indício de alívio em seu rosto.
   — Não. Na verdade, isso é ótimo. — Ele suspira. — Obrigado. Estou morrendo de fome.
   — Só mais quinze minutos e estará pronto.
      Ele abre a geladeira e pega uma cerveja, encaixa a tampa sob a borda da ilha onde tem um abridor anexo e puxa a garrafa, a tampa caindo no lixo.
   — Dá tempo de tomar um banho — responde, olhando para nós. — Com licença.
      E então ele sai da cozinha, a garrafa balançando em seus dedos ao passar pela porta, que é quase da altura dele. Eu paro, voltando a perceber como ele é alto. Esta casa tem um bom tamanho também, mas será impossível não o notar em um cômodo.
   — Agora eu entendo — minha irmã sussurra no meu ouvido, me provocando. — E aqui estava eu, preocupada que você estaria sofrendo investidas indesejadas de um gordo peidorreiro e suado.
   — Cale a boca. — Fecho os olhos, irritado.
      Escuto a porta dos fundos se abrir e a gracinha nítida em sua voz ao brincar:
   — Vá cuidar de seus homens agora.
      Eu giro para fechar a porta na sua cara, mas ela grita, fechando-a antes que eu tenha chance.

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⏰ Última atualização: Nov 11 ⏰

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