No centro da cidade, mais precisamente na Av. Alberto Maranhão, dentro da casa do prefeito Rodolfo Fernandes estavam lá, ao redor da grande mesa, o prefeito, o bispo Jaime Câmara, o então vice prefeito Antônio Gurgel e o grão mestre da ordem Maçônica Frederico Andrada. Todos com os olhares ao prefeito que inspirava os demais com discurso de coragem e firmeza:
- Senhores, o tenente já está à postos, na pior das hipóteses, temos trincheiras bem guarnecidas. Não sou estrategista militar, mas posso garantir-lhes, Lampião e seu bando não serão capazes de invadir nossa terra! Nós somos dela e por ela morreremos, se assim necessário for! - Terminou sua fala com a devida firmeza.
- Prefeito, ouça meu conselho, se algo de pior acontecer, esta cidade precisará ser retomada pelo senhor, pegue meu carro, vá para Areia Branca, ainda dá tempo, os policiais da cidade estão lá, protegendo as minas de sal. Meus homens o escoltarão. O senhor estará bem protegido. - Disse o mestre maçônico, com tom de temor, seu olhar sereno e sua postura altiva não escondia o temor da cidade cair sob as mãos dos cangaceiros.
- Não! Eu e o prefeito ficaremos aqui. Não podemos abandonar nosso povo que está lá fora. - Interrompeu a fala o vice prefeito, com o dedo indicador ao chão, esboçando força. Enquanto na sua outra mão estava uma pistola, beretta, municiada com poucas balas.
O bispo calado, olhava ao chão, sua mão direita apoiava o queixo, enquanto a esquerda atravessava sua barriga. Em meio a discussão, com uma voz serena, ele interrompe:
- Irmãos, de um lado, temos um grande trunfo: Lampião, Jararaca e Massilon, não sabem ao certo quantos homens temos para proteger a cidade. Logo, teremos alguma vantagem. Afinal, estes homens não estão acostumados a serem pegos de surpresa em meio ao tiroteio. Ademais, o prefeito foi muito feliz em seus discursos e conseguiu unir a cidade para a mesma causa. Fugir, seria abandonar não apenas os cidadãos que nele confiam, mas sim abandonar todo o discurso de coragem a qual ele mesmo municiou.
- Bispo, por favor, não quero faltar-lhe com respeito. Porém, todos nós sabemos que Lampião é um homem religioso, ele jamais pontaria seu fuzil ao senhor e ao padre Mota. Porém, para o resto de nós, ele não terá a mesma misericórdia. - Interrompeu a fala do bispo o mestre maçom.
O bispo respirou fundo, com o olhar sereno respondeu: - Sim, tens total razão. Mas se não me engano, padre Mota está lá, na torre da igreja, junto dos demais homens, com fuzil em sua mão, inspirando força e coragem, enquanto reza suas ave marias e nós deveremos fazer o mesmo!
O silêncio reinou. Rodolfo Fernandes virou de costas, abriu uma caixa que estava atrás de si, lá continha quatro fuzis e um arsenal de munição. Pacientemente ele retirou um, colocou sobre a mesa e, como uma sentença, falou:
- Está determinado! Não irei a canto algum. Nós, aqui nesta sala, iremos resistir, com bravura e, com as bençãos do cristo, e a intercessão de Santa Luzia, iremos até o fim! Vocês estão comigo? - Finalizou olhando no fundo das almas daqueles homens.
- Sim! - Disse o vice prefeito.
- Sim! - Disse o mestre maçom.
- Sim! - Afirmou o bispo, dando um passo atrás.
Em seguida, um estrondo: "Boooooom", todos arregalaram os olhos, o bispo caiu ao chão. Rodolfo tentou apara-lo, sem sucesso. O mestre Maçom levou as mãos à cabeça, o vice correu para a janela, não avistou nada, porém, as árvores balançavam seus galhos. O pavor consumiu a todos.
(...)
Ao leste, mais precisamente na rua Benjamin Constant, em uma humilde casa, portas de madeira, divididas na horizontal, meio cima, meio baixo, o estrondo as fez balançar. As fracas madeiras da janela racharam, os pregos enferrujados saltaram para fora. O silêncio reinava. Dentro de si estavam, logo na pequena sala de chão batido, estava seu Jamir Rêgo da Silva, os cabelos grisalhos denunciavam a sua idade, o corpo já não tinha mais qualquer vigor, contudo, seu olhar e sua alma estavam firmes, prontos para enfrentar qualquer destino que seja. Ao seu lado estavam seus dois filhos, Antônio Clemente da Silva e Marcelino Clemente da Silva. Aquela família humilde resolveu não abandonar sua propriedade e, por bravura, defendê-la. O tremor da estrutura da casa foi forte.
Jamir caiu ao chão, seus filhos correram para apanhá-lo, Antônio, amedrontado deixou escapar:
- Nós vamos morrer - sua fala vinha de dentro do seu coração, não conseguiu segurar.
Jamir, vendo o temor de seu filho, se sentiu na obrigação de inspirá-lo:
- Feche a boca! Nós vamos conseguir. Nenhum cangaceiro, bandido que seja, vai entrar por esta porta! Estão me ouvindo? - Marcelino fez sinal positivo. Antônio, envergonhado, manteve-se silente.
Os três rastejaram até a fresta da janela, Seu Jamir viu a fumaça subir. Com a pistola em mãos, ele a deixou preparada para dar o primeiro tiro, caso visse qualquer jagunço passar por sua porta. Antônio foi ao quintal, as galinhas estavam agitadas, o burro relinchava, o caos se instaurou entre os animais.
De repente, ouve-se um tiro. Antônio se jogou ao chão.
Marcelino viu seu pai cair para trás, olhos fechados, em seus braços, amparou o corpo desfalecido de seu pai, com um tiro em meio a sua testa. O sangue jorrou, manchando sua camisa marrom de vermelho vívido, ainda quente. Marcelino gritou: - Não! Não! Não!
(...)
Ao norte, perto do telégrafo, há uma trincheira fincada ao chão. Ali o tremor também se sentiu, dentro da vala estão cinco homens, dentre eles José Quelé, vulgo "Zé" para os mais íntimos. Zé era um homem de meia estatura, branco, olhos castanhos, cabelos castanhos e lisos, bem penteados para trás, vestido pela farda militar, era um "Volante".
Zé com seu fuzil, estava firme de sua missão, os outros quatro se abaixaram enquanto o estrondo se ouvia, já Zé parecia saber que estava por vir. Não hesitou, puxou o trinco de seu fuzil e mirou à frente. Seu olhar expunha a certeza que não morreria, ou, não iria morrer sem resistir.
- Bora! Levantem-se, isso não foi nada. Deve ter sido uma granada, algum explosivo besta! - Afirmou, enquanto fazia o seu colega ao lado se levantar.
- Explosivo besta? E essa fumaça? - Perguntou Omildo, apontando para a fumaça preta que subia aos céus.
- Ora! Deixe de besteira, é desse jeito que vocês querem proteger a cidade? Cês num são homens não? - Provocou Zé, sem se importar com os sentimentos alheios.
A direita, levanto-se um rapaz franzino, alto, cabelos enrolados, pele escura. Olhou para Zé, com o fuzil na mão, seu rosto revelava a sua coragem, no entanto, tomado pela raiva, berrou:
- Olha Zé, tua sorte é que nós tamo metido nessa. Se não, esse fuzil tava apontado pra sua cabeça! Não esqueci que tu ainda me deve 1 conto ! 1 Conto Zé! - Era possível sentir a raiva do jovem rapaz, com a mesma intensidade do estrondo.
- E eu disse que não vou pagar? Deixa de besteira rapaz! - Respondeu Zé desdenhando da ira do jovem.
- Quero saber não! Assim que nós sair disso aqui, vou na tua casa pegar qualquer coisa. Tu me deve e não paga! E outra, num ando mais com tu não! Liso com liso só faz escorregar! - Após isto, ouviu-se uma salva de tiros. Eram muitos, vindos de todos os lugares.
Zé se abaixou. Os outros quatro reagiram, começaram a atirar de volta, porém, sem saber a quem ou ao quê estavam atirando.
Maliciosamente, Zé puxou o gatilho de seu fuzil, atirou de dentro da vala.
O corpo caiu.
- Marcão? Marcão? - Berrou um dos homens que ali estavam. O rapaz franzino, que cobrava seu pagamento, estava morto.
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Terra do Astro Rei
Historical FictionNo mês de Junho de 1927 a cidade de Mossoró foi atacada pelo bando de Lampião. Bravamente resistiu, porém, com sequelas que, ainda, se vivem. A história mistura a realidade com a ficção, no enredo mitológico que mistura ação, heroísmo e bravura.