2. ARÍCIA MARIA

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Além de perder o juízo e a razão pelo Jota, quase perdi a vida por sua causa.

PS. Corrigindo: por causa de mim mesma. Afinal, era em nome desse sentimento que eu nutria esperança e aceitava as migalhas que me ele oferecia. Além de minar minhas forças, reforçava a falta de amor próprio.

Mas a parte que eu quase morri nessa história foi verdade. Digo de morte literalmente falando, porque em sentido figurado, precisei morrer para me reinventar e nascer de novo.

Toda transformação radical é uma espécie de morte- morte do seu antigo eu, em prol da sua nova personalidade.

Estava transtornada depois de presenciar o Jota com aquela mulher. Atravessei a rua sem olhar para os lados, depois de me afogar em copos e mais copos de whisky barato no boteco da esquina. Eu não aguentava mais ver aqueles dois de chamego pelos cantos da faculdade. Sem um pingo de consideração, ele agarrava a moça em plena luz do dia e dane-se se eu visse. Claro que como uma completa apaixonada, corri atrás dele, mas foi em vão. Ele só faltou cuspir na minha cara, dizendo que nós estávamos dando um tempo. E o que ele fazia com aquele tempo, não era problema meu.

— Arícia, dá um tempo cara! Faz o que quiser da sua vida, mas não me amola! Você me sufoca, sabia?! Muito grudenta, cheia de coisinhas, até enjoa!

As palavras dele eram desse nível para baixo. Eu ainda tentava argumentar, chegando a ameaçar que arrumaria alguém também, mas ele nem ligava. Apenas arqueava uma das sobrancelhas e me olhava com ares de piedade como se eu fosse incompetente para tal, ou apaixonada demais e incapaz de me aproximar de outro.

Mas ele estava enganado...!

— Excesso de confiança dá nisso, tolinha! — Criticava Grace Kelly com a mania de saber tudo. Decerto a minha melhor amiga sabia mesmo.

Enquanto me afogava no copo de whisky no bar, me lembrava das duras palavras de Grace, porém verdadeiras...

— Você demonstra que ele é a sua vida. Como você quer que o cara tenha medo de te perder, Arícia? Pensa comigo: A palavra-chave, minha amiguinha é equilíbrio. Nada além da dose certa.

Suspirei, tentando assimilar a filosofia dela e apagar da memória as cenas do Jota beijando a Belatrix Liz! Aff que nome!

— Mais uma dose, porrr favorrr! — Pedia, com a voz arrastada por conta do pileque, tentando me equilibrar no balcão. O garçom, ao invés de me servir, me encarou com ar de reprovação e balançou a cabeça em negação, como quem diz: Não acredito que essa mina está fazendo isso!

Por fim, ele suspirou e virou mais uma dose da bebida em meu copo.

— Já é o quarto que a menina toma. — Reprovou. Com ar de mandão, ele empurrou, a contra gosto, o copo na minha direção e, a meia voz, comentou:

— Se a polícia bate aqui estamos em cana, moça!

Como fiz cara de quem não estava entendendo bulhufas, ele soltou:

— Vender bebida alcóolica para menor de idade, menina! Onde estão seus pais?

Demorei segundos para atinar do que se tratava... O garçom achando que eu era menor de idade? Faz me rir. Estou beirando os trinta, tenho até carteira de motorista.

Não demorou para que a bebida fizesse efeito, e eu caísse em uma risada nervosa. Isso após cuspir jatos do líquido amadeirado na cara dele. Mas o espantoso foi que o pobre nem reagiu. Vai ver estava acostumado com aqueles comportamentos. Tantos bêbados transitando por ali, que uma menina com cara de menor de idade cuspir na cara dele era fichinha.

Depois de gargalhar, caí em um choro compulsivo. Chorei tanto que me deu um acesso de tosse, pois me engasguei com a bebida. Estava muito tonta para notar, mas acabei chamando a atenção dos clientes, porque ouvi alguém cantando, com voz arrastada, a velha música de Reginaldo Rossi...

"Garçom, aqui nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor

Garçom, no bar todo o mundo é igual
Meu caso é mais um é banal
Mas preste atenção por favor

Garçom eu sei que eu estou enchendo o saco
Mas todo bebum fica chato
Valente e tem toda a razão

Garçom, mas eu, eu só quero chorar
Eu vou minha conta pagar
Por isso eu lhe peço atenção..."

Quando consegui desvencilhar meus olhos da bebida, me virei, quase caindo, dando de cara com a figura: um bêbado de meia idade, mal se aguentando em pé.

— Essa música ée trissste para carambaa...

Esbocei, vencendo a tosse e o pranto, mesmo sem forças, sentia meus olhos marejados de lágrimas. Quando dei por mim, estava chorando copiosamente, e as lágrimas caindo dentro do copo, misturando-se com o whisky.

— Chopin?

Gritei, lembrando que eu não entrei ali sozinha. A última vez que o vi, Chopin estava deitado, bem quieto aos meus pés com cara de reprovação

Irritada, consegui suspirar, um tanto incomodada. Até hoje não sei explicar como os bebuns conseguem pagar a conta direitinho! Engraçado que mesmo que uma pessoa esteja sob o efeito do álcool, consegue realizar tais atividades, ainda que em modo devagar, no slow motion.

Demorei séculos para pescar a carteira no interior da bolsa e conseguir pagar a conta.

Ao pisar no rabo do pobre Chopin, dei um grito de alegria, ignorando que ele ganiu, assustado. Como eu não o enxerguei ali? Caminhei, rumo à saída, depois de acenar para o garçom e ganhei a rua.

Lembro-me que tudo aconteceu como em um flash... Quando dei por mim estava deitada, tremendo quase debaixo de enormes pneus de carro, sentindo cheiro de asfalto e borracha queimada. A tontura e a vertigem me dominaram, como se estivesse sonhando. Foi a freada brusca que o motorista do veículo deu para evitar a batida.

Pisquei, tentando falar, mas a tontura me dominava. Na medida em que meus olhos se abriam e fechavam, visualizava alguém me olhando... Um homem mais velho com semblante assustado. Notei também pessoas falando, todas ao mesmo tempo e me encarando. Vi quando o cara colocou as mãos na cabeça, rodando e falando sem parar.

— Ela está acordando! — Disse alguém, enquanto eu sentia ser tocada pelo corpo... no pulso, na cabeça, no ombro... Um toque suave e quente. Ao ser tocada no pescoço senti uma sensação gelada, mas reconfortante. Abri os olhos e me deparei com o rapaz, quase em cima de mim. Seus olhos verdes brilhavam assustados. Ele era enorme, parecendo um gigante. Um gigante muito bonito.

— Graças aos céus, ela está viva!

Segundos depois, ele se afastou e pude sentir lambidas na bochecha e um choramingo. Chopin.

As memórias recentes foram retornando...

Eu pedindo mais uma dose de whisky e virando o copo de uma vez, o garçom me olhando atravessado, mais um e mais outro, até sentir o torpor de quem anestesiou os sentidos e até a própria dor. Saí dali, depois de pagar, deixando gorjeta gorda, sai cambaleando rua afora com Chopin, até visualizar o automóvel dourado, um Porche freando bruscamente em cima de mim. O barulho da buzina, o odor de borracha queimada e tudo escureceu.

— Chopin, eu... preciso me levantar. Com muito custo, forcei o corpo para frente, ignorando as dores e a pressão frenética da cabeça. Suspirei fundo, vencendo a tontura, segurando no para-choque do carro. Tentei me levantar, mas mal me coloquei em pé, a tontura me venceu. Só não caí porque alguém me segurou pela cintura.

— Moça, moça! Não devia ter se levantado!

Forcei a vista e dei de cara com o homem com cara de desesperado que quase me atropelou. Alto e forte, parecendo um atleta desses que a gente vê na TV.

— Não enche o sacooo, eu... Não consegui terminar a frase, pois fui dominada por uma vertigem, mas antes de apagar, ainda consegui pensar naquele cara... Onde está você? Me refiro a Jota Júnior. Quem mais poderia ser? 

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