Atlantis

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Acordei decidido a explorar a "natureza" que minha mãe insistia em dizer que era bonita.

A casa estava quieta, o tipo de silêncio pesado que só acontece quando o ambiente está distante da agitação de qualquer cidade grande. Eu me sentia meio sufocado ali, cercado por tantas paredes brancas e pela ausência de movimento. A mudança para o interior de Londres não havia trazido o conforto que eu esperava. Minha mãe estava no trabalho, e Lottie estava mergulhada em seu mundo, mexendo no celular enquanto se esparramava no sofá. Era uma cena repetitiva: ela rindo sozinha, provavelmente de algum meme ou conversa com as amigas, enquanto eu tentava me sentir um pouco normal, fazendo o mínimo esforço para sair de casa e respirar um ar diferente.

Hoje, eu tinha um plano simples: sair, caminhar, ver algo que não fosse a tela de um celular ou as paredes da nossa nova casa. Queria ver a tal natureza que minha mãe tanto falava. Ela dizia que era "bonita", "relaxante", que eu deveria aproveitar a paz do campo. Eu não sabia se acreditava nela, mas sentia que precisava tentar.

Vesti uma calça de moletom preta e uma blusa de frio também preta, não muito larga. A cor escondia minha magreza, mas não me enganava. Eu sabia muito bem o que estava acontecendo com meu corpo. Coloquei a touca para disfarçar a careca que insistia em se fazer presente, e então desci as escadas.

Lottie estava lá, jogada no sofá, com a TV ligada em algum programa de entretenimento barato. Ela não parecia notar minha presença, rindo baixinho para a tela do celular, sem olhar para mim.

— Vai aonde? — ela perguntou, sem tirar os olhos do telefone, como se fosse mais uma de suas perguntas sem interesse.

— Vou explorar a floresta. Ver se tem mais habitantes além de nós. — Respondi, tentando soar mais despreocupado do que realmente me sentia. Peguei uma maçã na fruteira enquanto me dirigia para a porta.

Ela fez uma careta, mas não comentou nada. Já devia estar acostumada a me ver sair assim, sem um destino claro. Eu também estava. Quando você se sente preso dentro de si mesmo, qualquer saída — mesmo que por alguns minutos — parecia uma fuga.

Saí de casa e respirei fundo. O ar era gelado, mas fresquinho, e a brisa cortava minha pele com um toque suave. A entrada tinha alguns balanços de madeira que rangiam com o vento. À frente, uma pequena clareira se abria, onde flores brancas começavam a desabrochar, como se o campo estivesse acordando lentamente da sua hibernação. Minha mãe teria chamado aquilo de "bonito", e, por um momento, eu quase vi o que ela queria dizer. Era tranquilo, sereno — talvez fosse bom tentar viver por aqui, longe de tudo o que me lembrava do que perdi.

Caminhei por alguns minutos, observando as casas ao redor começando a se preparar para o Natal. Enfeites começaram a surgir nas janelas e nas portas. Mas, para mim, o Natal parecia tão distante. Como se o tempo tivesse parado, não para todos, mas para mim. Eu ainda não sabia o que fazer com o que estava acontecendo dentro de mim, e aquela calma toda só amplificava a solidão que sentia.

Foi então que avistei o campo de morangos. Eles estavam lá, à vista, vermelhos e maduros como nunca tinha visto. O campo parecia abandonado, sem nenhuma casa por perto. Não era comum ver morangos na época do ano, e aquilo despertou minha curiosidade. Não consegui resistir. Passei por baixo da cerca, sentindo a adrenalina subir. Podia ser uma propriedade privada, mas naquele momento, eu só queria aquele simples prazer: uma fruta fresca, algo normal.

Aos poucos, fui me aproximando das plantas, com a mente fixada apenas nas enormes frutas vermelhas que se destacavam no campo verde. Peguei um morango, delicadamente, e o trouxe até meu nariz. O cheiro era forte, doce e inconfundível. Por um segundo, eu me senti... normal. Como se aquelas coisas simples — morangos, flores, ar fresco — ainda pudessem me dar algum tipo de paz.

The Night We MetOnde histórias criam vida. Descubra agora