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CHICO

Era seu terceiro cigarro, segurava-o com as mãos tremendo, cada trago uma nuvem de fumaça que se dissipava tão rápido quanto as batidas de seu coração. Após passar na primeira eliminatória do Festival de Música Popular Brasileira de 1967 e ganhar a última edição, Chico ainda sentia uma enorme ansiedade toda vez que entrava num palco. Era tímido, acuado, coisa que não se era esperado de um cantor e performista.

Hoje, dia 21 de outubro de 1967, era a finalíssima. Competia contra grandes compositores e musicistas. Achava Ponteio, de Edu Lobo e Capinam genial. Domingo no Parque de Gilberto Gil o encantava. Porém, a música (e quem a interpretava) que mais lhe chamou a atenção foi Alegria, Alegria, de Caetano Veloso. Assistiu Caetano no palco, na terceira eliminatória. O sorriso envergonhado enquanto transformava as vaias do público em aplausos, os cabelos cacheados, a pele bronzeada... tudo naquele baiano deixava Chico curioso. Queria conhecer mais aquele homem. Queria desvendar o que ele escondia por trás daquele sorriso em forma de V e da voz aveludada.

"Tá sonhando acordado, Buarque?" Uma voz desperta Chico de seus pensamentos, porém sua ansiedade corria entre as veias. Batia o pé no chão ansioso, e, ao ver quem era que o interrompia em um beco vazio, seu coração bateu mais rápido ainda.

"Veloso! Não achava que ia encontrar alguém aqui..." ele sorri envergonhado, olhando para o chão

"Me disseram que eu ia encontrar você aqui. 'Cê tá bem, carioca? Tá todo tremido..."

"Não gosto muito de palco, sabe... me deixa todo... coisado, sei lá" claramente um homem de palavras rebuscadas

"Você tem que relaxar, coisa linda! A plateia ama você e esses olhos azuis" Caetano diz enquanto envolve Chico num abraço de lado "Eu já apresentei a minha música. A sua é a penúltima, né?"

"Sim, eu..."

"Então tá feito! Depois do festival a gente sai pra tomar umas com o pessoal, viu? Relaxar esse seu corpinho" Caetano falava com uma naturalidade, de um jeito extrovertido que admirava Chico. Muitas vezes quis conversar com alguém, porém sua timidez o segurava como uma corrente em volta de seu peito. Queria muito ser como o baiano: livre, despreocupado.

Chico joga a bituca do cigarro no chão e Caetano pisa nela. O baiano agarra Chico pelo pulso e o leva de volta para os bastidores. Com um suspiro profundo, Chico se prepara para voltar a todo aquele caos e calor que eram os festivais.

"O Tropicalismo envolve muito mais do que só [...], é uma luta contra a [...], as coisas não podem ficar assim..." Gil exclamava com a voz alta ecoando por todo o barzinho de esquina em que se encontravam os músicos após o festival. Chico, com a cabeça encostada na mesa, já não entendia muito do que era dito por ninguém, o álcool mexendo com a consciência.

"Ei, o Chico tá bem? Ele não se move faz uma meia hora" Uma voz feminina, que Chico não reconhece, provavelmente por causa da embriaguez, comenta preocupada"

"Morreu de tanta birita!" essa voz Chico conhecia. Maribeth.

"Deixa disso, idiota. Eu levo ele pra casa, tá todo destrambelhado, tadinho..." Chico sente alguém levantar seu corpo e carregá-lo até um carro. A voz aveludada que acabara de ouvir ecoava em sua mente confusa. Ele solta um risinho bobo.

"Tá rindo do quê, Chico?" Caetano ri enquanto coloca o carioca na garupa da motoca emprestada de Maria Bethânia.

"É que eu gosto muito da sua voz..."

"Ah, é? E o que você acha do dono dela?" O baiano pergunta curioso, um sorriso disfarçado no rosto

"Gosto mais ainda dele..." Ele responde tímido, suas bochechas vermelhas (talvez do álcool, mas muito provavelmente da timidez que sentia)

"Você é uma gracinha quando tá bêbado, sabia?"

Chico resmunga algo como um protesto, mas o sono já está tomando dele. Ele encosta a cabeça nas costas de Caetano, que pilotava a moto, lentamente se entregando ao mundo dos sonhos.

"Não dorme que você vai cair da moto, Chico..."

"Ele nem vai lembrar de ontem, Caetano, o Chico não consegue ir num bar sem encher o cu de cachaça"

"Deixa disso disso, Bethânia, ele tava ansioso, coitado... e foi uma reunião importante pro Tropicalismo, ele vai lembrar"

Chico ouve vozes avulsas enquanto se desperta lentamente. A luz incomoda os olhos, e ele percebe que seu rosto está cheio de baba, além de que está deitado num sofá que claramente não é o seu, visto pela cor rosa shock e as almofadas felpudas. Ele fecha os olhos novamente e finge estar dormindo para não atrapalhar a conversa dos irmãos.

"Bom, eu já vou indo, tenho que levar a moto pra lavar e visitar a tiazinha. Depois não diz que eu não te avisei" Maria Bethânia fecha a porta do apartamento com força.

Chico sente uma mão macia fazendo um carinho gostoso em seus cabelos.

"Eu sei que você tá acordado, carioca. Precisa fingir não"

Chico se levanta lentamente. Ele olha nos olhos de Caetano com uma expressão culpada.

"Eu realmente não lembro nada de ontem, Caê... bom, só de ir beber e conversar com a galera. Desculpa..."

Caetano tem um sorriso no rosto, mas ele parece um pouco decepcionado. "Tá tudo bem, Chico. Não era nada muito importante..." ele mente.

"Tem certeza?"

"Tenho, agora vem tomar café, você tá um bafo que só, meu rei" Caetano cobre o nariz com as mãos, fingindo nojo

Eles tomam café tranquilamente, e Chico gradualmente perde sua timidez perto do baiano. Trocam letras de músicas, piadas, reclamam da Ditadura, riem por nada. Constroem, mesmo sem saber, um carinho mútuo, uma amizade, talvez algo mais. 

——

Oi :) eu não sei se alguém vai ler isso, sou novo no MPB, então se algo estiver errado, por favor me avise (quem quiser amigar, também tô disponível)

Eu ando escrevendo pra aliviar o estresse do vestibular, então se flopar tudo bem

O Meu MeninoOnde histórias criam vida. Descubra agora