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CAETANO

Conheci um cara que é a coisa mais linda.

Bom, a gente já tinha se visto em outros shows por São Paulo, mas depois do festival foi a primeira vez que pude realmente falar com ele, encarar aqueles olhos azuis de perto, ouvir o sotaque carioca que arrastava sua fala...

Depois daquela noite e do café da manhã no dia seguinte, Chico e eu não desgrudamos. Toda semana íamos a algum bar, seja só eu e ele ou acompanhados de Toquinho, que era um mulherengo por si só. A gente enchia a cara, botava o Chico no volante e ele acordava e se punha a dirigir, era a coisa mais engraçada (quer dizer, isso é errado, não façam isso!!!). A cada dia que passava, eu sentia que meus afetos pelo carioca não eram platônicos, que meu coração batia mais forte toda vez que eu ouvia sua risada ou via seu jeito envergonhado, mas como contar a ele? A gente não vive numa sociedade em que dois homens podem sair de mãos dadas por aí como se fosse banal. E se Chico fosse igual os outros? Será que ele me odiaria?

19 de dezembro de 1969, bato na porta de Chico. Eu ouço de dentro do apartamento uma vitrola tocando um vinil de um dos meus álbuns, e depois um baque de alguém que provavelmente tropeçou em uma mobília na pressa de chegar a tal vitrola. Um xingo de dor depois disso, e enfim Chico abre a porta com um sorriso enquanto passa a mão no cotovelo, com dor.

"Tava ouvindo minha música, Chico?" dou a ele um sorriso malicioso

"N-Não, acabei de acordar, inclusive" Chico mente muito mal mesmo. Observo seu rosto começar a corar, e, sem pensar duas vezes, coloco minha mão em sua bochecha, mas a removo o mais rápido possível.

"Enfim, eu... eu vim aqui ver se você queria caminhar na praia comigo, sabe? Dar uma espairecida, mexer esse corpinho. Você fica muito tempo dentro desse apartamento, tem que dar uma bronzeada, cara"

"Que corpinho, Caê? Além de mais baixo que eu, você é só pele e osso, quase não tem recheio" Ele ri, mas eu fico emburrado

"Você vem ou não vem à praia comigo, desgraça? Ou prefere ficar o dia todo aqui rindo de mim?"

Chico ri e me faz um cafuné gostoso, que eu inclino a cabeça pra aproveitar mais "A gente vai sim, calma"

Passamos o dia inteiro na praia. Agora, de noite, não tem ninguém por perto, e nos sentamos com os ombros colados, com a pretensa de nos protegermos do frio que faz de noite (É verão no Rio, e o ar está abafado, sem uma resma de vento, mas o que importa é a intenção).

Respiro fundo, tomo coragem.

"Sabe, Chico... a gente tem andado muito próximo esses meses, né?"

"É"

Senhoras e senhores, Chico Buarque de Hollanda, compositor nato e um homem de muitas palavras

Ignoro sua resposta meio besta "E... eu não sei se você anda sentindo o mesmo que eu, mas-" ele me interrompe

"Sim, Caê, eu te vejo como meu melhor amigo também" ele sorri

Puta que pariu

Solto um suspiro frustrado. Pelo jeito não tem outra maneira de mostrar pra ele o que eu quero dizer senão...

Beijo aquela boca linda dele. Ele arregala os olhos, mas não me empurra pra longe, e flores começam a crescer em meu peito, fogos de artifício nos meus tímpanos. É um beijo breve, mas tão... gostoso, sabe?

Porém, como tudo que é bom dura pouco, ele se levanta de supetão. Tem uma expressão assustada no rosto

Por favor, por favor, por favor, não me odeie.

"Caetano, a gente.. a gente não pode- eu não posso, desculpa..."

"Chico, ninguém tem que saber, pode só ser algo entre nós, por favor" eu sinto meus olhos arderem, as lágrimas subindo, as flores murchando. Ele também não parece feliz.

"Não, você... você não entende, a gente tem tanto em jogo, porra! Acredita em mim, eu quero, eu quero tanto, mas a gente já bate de frente com os milicos por sermos compositores, sabe a merda que daria se eles descobrissem que a gente é viado também, Caetano?"

As palavras ficam presas na garganta. Sim, eu sei o que aconteceria com a gente, mas não quero confirmar as preocupações de Chico. Ele espera uma resposta minha, que nunca vem.

"Talvez... talvez em outra vida, Caetano. Olha, eu... eu preciso ir, tá legal? Se cuida..." ele se vira de costas e vai em direção ao calçadão. Tento segurar sua mão, mas é inútil. Ouço ele sussurrar um pedido de desculpas, mas minha cabeça já está em outro mundo.

No silêncio da noite, sozinho na orla da praia, eu imagino nós dois. Sonho acordado enquanto as lágrimas caem livremente.

"Por que você me deixa tão solto?" Pergunto a um Chico que não está mais lá.

Talvez se eu fosse uma mulher.

——

Oi :) eu fiquei muito surpreso que alguém realmente leu o primeiro capítulo kkkkkk mas muito obg a todos que comentaram e votaram, significa muito <3!!

Eu tô no quinto episódio de Chico & Caetano e??? Eu jurava que eles tinham alguns momentos de viadagem, mas é literalmente o programa todo KKKKKKKKKKK

Enfim, espero que tenham gostado, vem coisa pior por aí ;)


O Meu MeninoOnde histórias criam vida. Descubra agora