Capítulo um: Bolo de morango

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Rose Maeve

Mais uma vez. Mais um pesadelo. Mais uma paralisia. Estou presa nesse ciclo infernal há semanas, desde que entrei em contato com aquele cara do fórum estranho. Ele me alertou sobre as consequências... mas isso? Isso é demais. Esses espíritos não me deixam em paz. Primeiro, o homem de branco. Depois, o carneiro humano. Agora, esse com o guarda-chuva vermelho. Ele está me observando do canto do quarto há mais de cinco minutos. Seus olhos estão ocultos pelos cabelos vermelhos que caem sobre o rosto.

Por mais que sua presença não seja completamente horrível, sinto o pânico me consumir. Tudo parece vibrar ao meu redor. Meu estômago se revira como se algo estivesse prestes a sair.

Então, desperto de repente, arfando. Meus olhos correm para o canto do quarto, mas ele se foi. Um alívio quase imediato substitui meu terror... até que sinto algo frio segurando minha mão.

Meus olhos se voltam para a beirada da cama, onde noto uma figura pequena me encarando. Um riso infantil preenche o silêncio. Ah, ele de novo: Mr. Crawling. Ele foi um dos primeiros a aparecer depois que fiz o pacto de sangue. Só que diferente dos outros,ele não é apenas um pesadelo,ele tá aqui.

Não entendo completamente sua língua bizarra, mas ele parece entender a minha. Apesar do sorriso perturbador, da pele pálida como cera e da aparência esquisita, ele é inofensivo. Ultimamente, tem até tentado me proteger dos outros espíritos, embora com pouco sucesso. Agora, ele está ajoelhado na frente da cama, indiferente.

- ΣᄂΣƧ ΣƧΛ̃Ө 5Σ 9ΣЯЦЯ6ΛПDӨ £Σ ПӨ6Ө? - Sua voz soa como uma mistura de cifras e risadas zombeteiras. Com o tempo, venho entendendo algumas palavras, mas ainda é confuso.

Franzi a testa, tentando captar o significado. Eu sabia que ele não estava exatamente tirando sarro de mim.

- Você ficou aí no chão a noite toda? - perguntei.

- ƧI3, - ele respondeu simplesmente.

- Na próxima, você dorme no quarto de hóspedes. Está frio demais pra ficar no chão. - Eu balancei a cabeça, tentando manter a compostura.

Ele apenas riu. Como sempre tem feito.

Olhei pela janela. O dia já clareava. Me levantei devagar, mas minhas pernas vacilaram. Estava fraca, zonza. Por um instante, pensei que fosse desmaiar, mas me mantive de pé. Hoje seria um dia longo.

Mais tarde, preparei algo para comer. Crawl recusou. Disse que já havia se alimentado durante a noite. Estranho, mas resolvi deixar pra lá. Certas coisas acho melhor não saber.

Quebra de tempo

- Mr. Crawling... - Coloquei o celular no bolso enquanto chamava por ele. Sempre acho estranho usar um nome tão formal, mas ele gosta. Logo, ele se aproxima, rastejando rapidamente, com aquele sorriso perturbador de sempre.

- Vou sair por algumas horas. Certifique-se de que nenhum "cara mau" entre aqui, ok? - Disse isso com uma voz leve. Ele riu baixinho e balançou a cabeça de forma frenética, como se estivesse animado com a tarefa.

"Cara mau" é um termo que uso para deixá-lo tranquilo. A última vez que tentei sair para ir ao mercado,ele ficou desesperado, quase choroso. Então, criei essa "missão" para ele: proteger a casa. Parece bobo, mas funciona. Ele leva isso a sério. Nunca imaginei que uma entidade pudesse ser tão... 'inocente' ou quase.

- Rose, PЯӨ5Σᄃ̧Λ̃Ө ᄃΛƧΛ ƧЦΛ.

Sua voz soou como um emaranhado de cifras e ruídos, mas dessa vez consegui captar o essencial: "Proteção casa sua." Ele ainda mistura palavras como se fosse uma frequência quebrada, mas estou começando a entender sua linguagem. Apenas assenti com a cabeça, indicando que compreendi, antes de sair.

Suspirei aliviada ao colocar os pés na rua. Havia algo libertador em estar fora daquela casa. Talvez fosse a ideia de visitar minha mãe, de vê-la livre do câncer. Um sorriso escapou ao me lembrar de quando ela recebeu a notícia de que a doença simplesmente havia desaparecido. Ela chorou tanto, e eu chorei junto.

- Isso é um milagre de Deus! Obrigada, Senhor! - ela chorava.

Mal sabe minha mãe.

Ao chegar, fui recebida como sempre: com abraços calorosos e beijos carinhosos. Passamos a tarde assando e decorando um bolo. Não havia nenhuma ocasião especial, mas queríamos bolo de morango. Depois, pintamos as unhas e fofocamos sobre a Dona Maria, a vizinha detestável que mora ao lado.

No fim do dia, minha mãe guardou um pedaço do bolo em um pote grande. Já estava planejando levar para o Mr. Crawling. Por mais estranho que fosse, eu queria que ele experimentasse e me dissesse o que achava.

Era quase onze da noite quando chamei um Uber e voltei para casa. Ao chegar, hesitei na porta, sabendo bem o que me esperava lá dentro. Respirei fundo e entrei.

Assim que cruzei a entrada, quase deixei o pote de bolo cair. Minhas mãos apertaram o recipiente com tanta força, não por medo de deixar cair, mas para transformar o pote em uma arma improvisada. Na sala, havia uma mulher sem cabeça. Seu vestido de noiva estava impecável, mas..

Tentei manter a compostura, ainda que meus joelhos tremessem. Então, vi Mr. Crawling ao lado dela.

- Mr. Crawling? - chamei, minha voz falhando levemente.

Ele virou a cabeça para mim, o mesmo sorriso perturbador estampado em seu rosto. Então, calmamente, apontou para a mulher sem cabeça.

- ΣᄂΛ Σ́ 4πI§Æ.
(Ela é amiga.)

Meu corpo congelou. Amiga? Claro... porque isso faz todo o sentido.
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Continua.

A foto da Rose está no início do capítulo.

Revisado.

Coração Marcado | 𝗛𝗼𝗺𝗶𝗰𝗶𝗽𝗵𝗲𝗿Onde histórias criam vida. Descubra agora