01 - Quando eu ainda era um escravo

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*Carta*


Não sei, algo parece errado aqui como se isso não houvesse sido escrito com sinceridade - era o que eu sentia por dentro, mas resolvi afundar no meu subconsciente, pois eu estava drogado por Pathos, uma droga chamada amor. Sabe que quando estamos drogados confundimos as coisas? Depois do despertar do meu inconsciente, vejo muitos desses erros os quais cometemos e parece que todos eles são de propósito. Bem esquisito.


Obrigado pela carta - agradeci genuinamente aquela vadia, meus olhos brilhavam de amor por ela. Ela me abraçou silenciosamente e voltou pra sala de aula e eu fiquei ali paralisado por um momento pensando na declaração a qual eu havia recebido, aquilo nunca havia acontecido antes. Eu acreditava que poderia ter encontrado não só uma namoradinha, uma vadia pra eu gozar e relaxar, muito pelo contrário, eu achava que tinha encontrado alguém que era verdadeiro em meio a todas as falsidades do mundo.


Eu estava enganado e aquilo tudo havia uma explicação tão simples, mas tão longínqua de ser percebida por mim. Os cabelos, um pequeno detalhe na fala da personagem a qual ela interpretava e, principalmente, suas mãos fazem parte dessa explicação simples. Mas você ainda não está preparado para isso, então deixarei isso para outra hora.


Depois daquele momento de descanso, enquanto ela dava as costas e ia para a sala de aula dela, eu fui para a minha, afinal, éramos de turmas diferentes. Na minha sala de aula uma garota deu em cima de mim, ela era bem gata e eu já fantasiava com ela há meses, mas eu não flertei de volta. Ela tinha o mesmo nome que a garota a qual escreveu a carta pra mim, e era justamente por conta da minha paixão que não fiquei com ela. Eu não achava aquilo certo.


Eu era ingênuo demais para entender o motivo de estar sendo cortejado por garotas bonitas de repente, isso era por eu ter uma paixão. As mulheres adoram roubar o homem umas das outras, parece um instinto natural. Eu nunca, nunca mesmo, nunca havia sido tão desejado. Como homem, usei a cabeça, e recusei todas, mesmo que a cabeça de baixo quisesse outra coisa. Eu era leal.


Tive oportunidades de pegar a vadia a qual me escreveu a carta, mas não, eu queria ir com calma, pois a amava de verdade, ou amava o que eu acreditava ser ela.


No final das contas a vadia sentou no colo de outro, pelo que vi em uma foto no Instagram dela. Muitos amigos acreditaram que eu fiz algo de errado, justamente por ela parecer alguém frágil e muito inocente, mas eu realmente não fiz nada. E me revoltei com o tipo de mentiras que criaram de mim. Percebi que muitas vezes eu mesmo vi a garota a qual me entregou a carta como vítima de outros homens, percebi que eu também fui enganado. Foi aí que eu me lembrei do meu pai, o qual foi vítima de mentiras semelhantes.


Como sei que eram mentiras as coisas do meu pai? Simples, eu estava lá, em maior parte.


Mas esse "no final das contas" foi muito, muito mesmo, um extremo reducionismo. Para contar como tudo se desenrolou pode levar um tempo, o buraco pode ser ainda mais fundo.


Quando eu descobri que a garota da carta havia me enganado, eu fiquei bravinho como um adolescente desiludido padrão, como um trouxa. Mas algo incomum aconteceu. Enquanto eu gritava com raiva por dentro no banheiro, abruptamente, eu escutei um piano tão suave e belo, tão suave e acalmante e comecei a relaxar, só que, repentinamente, comecei a escutar risadas femininas psicóticas, até as risadas cessarem e seguirem com sons bem gráficos de o que parecia ser um assassinato. E eu olhei para o espelho do banheiro e comecei a ver o que havia ali.


Nos meus olhos haviam uma ruptura, uma falha na matrix, um portão interdimensional, um outro universo. Em cada olho havia um universo diferente. Enquanto que no olho esquerdo havia uma bela garota, tocando piano, apaixonante aos meus olhos - e nos meus olhos, se me permite a piada - no meu olho direito havia o corpo esquartejado de uma garota sem rosto e o homem que a matou.


Preocupado com o que aconteceu com a garota assassinada, eu fiquei de olho no reflexo do lado direito, e o homem tirou uma foto do corpo da mulher com uma polaroid e de repente olhou para mim, como se ele soubesse que alguém estivesse o observando, ele sorriu. Meu coração parou por um instante com o terror que senti, foi aí que eu tossi sangue na pia do banheiro, até vomitar um líquido preto, porém brilhante. Sei que parece loucura, preto não brilha, mas aquele líquido brilhou.

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