PRÓLOGO

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Victor Morante estava acostumado a viver no controle. Desde muito jovem, sua vida fora moldada pela frieza e pelo cálculo. Filho de Carlo Morante, um dos mafiosos mais poderosos da cidade, Victor aprendera cedo que o mundo era uma arena implacável onde cada escolha carregava o peso de uma consequência. A confiança era um luxo, e a manipulação, uma necessidade. Aos 34 anos, ele não era apenas o CEO de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, mas também uma figura enigmática cujas conexões com o submundo nunca podiam ser ignoradas. Em seu universo, legalidade e criminalidade coexistiam como dois lados da mesma moeda, movendo-se em uma sincronia que ele dominava como poucos.

Victor acreditava que tudo tinha um preço, que tudo e todos podiam ser controlados. Seu pai, Carlo, tinha sido seu mentor nesse pensamento. "Controle é poder, e poder é sobrevivência", Carlo dizia. Para Victor, essas palavras eram um mantra. Ele sabia que o verdadeiro domínio não estava em riqueza ou força bruta, mas na capacidade de influenciar, de prever o próximo movimento dos outros antes mesmo que eles próprios soubessem o que fariam. Essa filosofia o transformou no homem que era: respeitado, temido, e, acima de tudo, invulnerável.

Mas a invulnerabilidade de Victor tinha um custo. Ele vivia preso a uma frieza cuidadosamente cultivada, protegendo-se contra as emoções que poderiam ameaçar sua visão lógica e estratégica do mundo. Essa fortaleza emocional, porém, não surgira do nada. Foi construída sobre a lembrança dolorosa de uma noite que ele jamais esqueceria – a noite em que sua infância fora arrancada de suas mãos.

Victor tinha apenas oito anos quando sua vida mudou para sempre. Era uma noite comum, ou pelo menos parecia ser. Ele estava em casa com seus pais, Carlo e Elena, em um momento raro de tranquilidade. A mansão da família Morante, com suas paredes imponentes e segurança reforçada, parecia inabalável. Mas aquela noite provou que mesmo os alicerces mais sólidos podiam ruir.

Victor estava na biblioteca quando ouviu os gritos. Sua mãe havia insistido que ele ficasse lá enquanto ela e Carlo discutiam algo no escritório. Curioso e teimoso, como qualquer criança, ele saiu para espiar, descendo as escadas silenciosamente. Foi então que viu homens armados invadindo a casa. O som das armas ecoou como trovões no silêncio. Ele congelou ao ver seu pai tentando proteger Elena, mas ambos foram abatidos sem piedade.

O mundo de Victor desmoronou naquele instante. Ele não chorou, não gritou. Apenas observou, paralisado, enquanto os homens saíam, deixando para trás uma cena que jamais seria apagada de sua mente. Aquela imagem, o cheiro de pólvora e sangue, e o silêncio mortal que se seguiu moldaram o homem que ele se tornaria. A partir daquele momento, Victor decidiu que nunca mais seria uma vítima. Ele construiria um escudo intransponível ao seu redor, um controle absoluto sobre si mesmo e sobre o mundo.

Agora, mais de duas décadas depois, o menino que assistiu a tudo sem poder fazer nada era um homem poderoso, temido e respeitado, mas ainda assombrado pelo que vira. Ele nunca mencionava aquela noite. Não havia espaço em sua vida para fraquezas ou vulnerabilidades. Tudo era meticulosamente calculado, um reflexo de sua determinação em nunca mais estar à mercê dos caprichos alheios.

Mas a invulnerabilidade de Victor estava prestes a ser testada.

Naquela noite, enquanto participava de uma gala de caridade, um evento que ele frequentava mais para manter as aparências do que por interesse genuíno, Victor sentiu algo diferente. A gala, realizada em um salão luxuoso no centro da cidade, estava cheia de rostos conhecidos – empresários, políticos e personalidades cujas máscaras sociais eram tão impecáveis quanto seus ternos e vestidos. Victor, como sempre, observava de longe, analisando, calculando, antecipando. Para ele, essas reuniões eram um jogo de poder disfarçado de elegância, um desfile de intenções ocultas sob sorrisos treinados e conversas vazias.

Foi então que ele a viu.

Ela estava de pé, um pouco afastada do burburinho central, sob uma luz suave que parecia destacar sua presença sem esforço. Mariana Almeida. Seu nome já era familiar para Victor – filha de uma das famílias mais tradicionais da cidade, com uma reputação que oscilava entre a admiração e o mistério. Os rumores sobre ela eram tantos quanto as histórias sobre a fortuna de sua família. Alguns diziam que ela era um prodígio, outros sussurravam sobre tragédias e segredos que a haviam marcado. Mas nada disso explicava o que ele sentiu ao vê-la. Era como se, por um breve instante, todo o mundo ao seu redor tivesse ficado em silêncio.

Mariana parecia deslocada, como se pertencesse a um lugar completamente diferente. Havia nela uma aura de elegância inegável, mas também uma melancolia que intrigava. Ela não era como as outras pessoas naquele salão, movendo-se com propósito deliberado ou tentando atrair atenção. Havia uma quietude em sua presença, uma vulnerabilidade escondida sob sua postura impecável. Victor percebeu isso de imediato. Ele era um especialista em identificar fraquezas, em ler as nuances das pessoas. Mas com ela, não era apenas uma fraqueza – era uma complexidade que ele não conseguia decifrar.

Quando seus olhares se cruzaram, Victor sentiu algo que não esperava. Não era a usual sensação de superioridade que o acompanhava em todas as interações, mas uma inquietação instintiva. Era como se, naquele momento, ele não estivesse no controle – uma experiência que lhe era completamente estranha. Por um instante, a máscara que ele usava com tanta maestria quase escorregou. Ele se viu hesitando, algo incomum para um homem acostumado a comandar qualquer sala em que entrasse.

Mariana parecia alheia ao impacto que causava. Ou talvez não. Seus olhos, tão expressivos quanto indecifráveis, transmitiam uma mistura de curiosidade e cautela. Victor sabia que havia algo por trás daquele olhar. Algo profundo, talvez perigoso. Ele não sabia exatamente o quê, mas sua intuição – a mesma que sempre o guiara em negociações arriscadas e decisões críticas – dizia que aquela mulher era diferente. E diferente, no mundo dele, era uma palavra carregada de implicações.

Sem pensar, Victor começou a se mover em sua direção. Cada passo era calculado, mas, ao mesmo tempo, parecia inevitável. Ele era um homem acostumado a conquistar, a tomar o que desejava, mas naquele momento, sentia-se menos predador e mais atraído por algo que não entendia. A frieza que o caracterizava, a confiança inabalável que o sustentava... tudo isso parecia irrelevante diante dela.

Enquanto se aproximava, ele notou detalhes que antes haviam escapado. A forma como seus dedos seguravam a taça de champanhe com delicadeza, como se o vidro pudesse quebrar a qualquer momento. A maneira como seus lábios se curvavam em um sorriso leve, mas sem alegria. Havia algo nela que parecia ferido, algo que Victor queria – precisava – entender.

Ele sabia que aquela noite marcaria o início de algo. Talvez fosse uma atração passageira, uma distração em meio a seu controle obsessivo. Mas, no fundo, ele sabia que Mariana era diferente. Algo nela ressoava com a parte de si mesmo que ele tentava enterrar – a parte que ainda se lembrava da dor de perder o controle, de ser impotente.

Enquanto ele se perdia nessas reflexões, a orquestra continuava tocando ao fundo, e os murmúrios das conversas enchiam o ar. Mas, para Victor, o mundo parecia um borrão. Ele não sabia ainda o quanto Mariana mudaria sua vida, mas, naquele momento, compreendeu uma verdade simples: algumas coisas – e algumas pessoas – estavam além de seu alcance.

E isso o aterrorizava tanto quanto o fascinava.

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