O único banheiro da casa ficava no segundo andar, simples e pequeno, e eu teria que compartilhá-lo com Kael. Não queria pensar muito nisso. Uma das poucas qualidades que realmente apreciava nele era o fato de não ser do tipo que ficava circulando ao meu redor ou tentando puxar conversa sem motivo. Ele me deixou sozinha para desfazer as malas e organizar meu canto, algo que seria absolutamente impensável se minha mãe estivesse ali. Ser deixada em paz era um alívio raro. Pela primeira vez em dias, senti que podia respirar sem a obrigação de sorrir ou fingir satisfação.
Fiquei um tempo parada, olhando pela janela, enquanto a chuva transformava o horizonte em um borrão cinzento. Parecia que ela queria levar tudo consigo, deixando para trás apenas o som melancólico de suas gotas batendo no vidro. Sem que eu pudesse evitar, algumas lágrimas rolaram pelo meu rosto. Não era hora para um ataque de choro completo, no entanto. Eu sabia que guardaria isso para mais tarde, quando estivesse deitada na cama, com o peso do dia seguinte me esmagando.
Orthion High School era um colégio pequeno, assustadoramente pequeno: apenas 500 alunos. Agora, com a minha chegada, 501. Na cidade anterior, só no meu ano letivo havia quase o dobro disso. Aqui, tudo era diferente. As crianças cresceram juntas, suas famílias entrelaçadas por gerações de histórias e segredos compartilhados. E eu seria a garota nova, a estranha vinda da cidade grande. Uma curiosidade passageira ou, talvez, uma aberração.
Pensei que, se me camuflasse como uma típica adolescente local, poderia passar despercebida. Mas, fisicamente, eu nunca me encaixei em lugar algum. Eu deveria ter o bronzeado perfeito, ser atlética, talvez ruiva ou loira, como aquelas líderes de torcida dos filmes. Mas minha pele, mesmo sob o sol constante, era tão clara que parecia marfim. Não o tipo de palidez atraente, acompanhada de olhos vibrantes ou cabelos ruivos; era apenas pálida. Eu era magra, mas com uma descoordenação tão evidente que deixava claro: esportes não eram o meu forte. Qualquer tentativa resultava em humilhações públicas — e, frequentemente, em pequenos acidentes para mim ou para quem tivesse o azar de estar por perto.
Depois de guardar minhas roupas na cômoda de madeira antiga, peguei minha nécessaire e fui ao banheiro. A luz fraca do cômodo ressaltava minha palidez, quase translúcida, no espelho manchado. Penteei os cabelos úmidos e embaraçados, estudando meu reflexo. Talvez fosse a iluminação, mas parecia que eu havia se tornado ainda mais apagada. Minha aparência não era o único problema. Algo mais profundo me incomodava: a certeza de que, em nenhum lugar, eu realmente pertencia.
Quais eram as minhas chances de me encaixar aqui, em um lugar tão pequeno, quando nunca consegui fazer isso antes?
O problema não era apenas a escola ou a cidade. Eu sempre me sentia desconectada, como se houvesse algo errado comigo. Nem mesmo com minha mãe, que deveria ser a pessoa mais próxima de mim, consegui encontrar sintonia. Às vezes, me perguntava se via o mundo como os outros. Talvez meu cérebro funcionasse de forma diferente. Mas, no final das contas, o motivo importava pouco. O efeito era o que me perseguia. Amanhã, seria o início de tudo, e o peso dessa realidade pairava sobre mim como uma sombra.
Naquela noite, o sono demorou a chegar. Chorei baixinho no travesseiro, tentando não pensar no futuro. A chuva, que parecia zombar de mim, finalmente cedeu a um chuvisco suave depois da meia-noite, mas a sensação de estar presa persistiu. Quando acordei, tudo do lado de fora estava envolto por uma neblina densa. Parecia que o céu havia desaparecido. Uma claustrofobia insidiosa começou a rastejar em meu peito. Essa cidade parecia uma gaiola, e eu me perguntava se conseguiria suportar isso.
O café da manhã com Kael e Levi foi silencioso. Kael estava claramente desconfortável com a nova dinâmica familiar, enquanto Levi, com apenas quatro anos, mal conseguia se manter acordado. Ele esfregava os olhinhos enquanto empurrava o cereal na tigela.
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Eternal Night
VampiroDepois que sua mãe decide enviar ela e o irmão para a pacata vila de hiato, alegando que eles precisam de um tempo fora, os dois partem relutantes. O pai, policial na pequena cidade, garante que lá será seguro e tranquilo. Mas, ao chegarem, eles com...