Âmbar Miller.
O sol ainda estava tímido quando acordei. Não por causa do despertador ou do calor das cobertas, mas porque minha mente não sabe mais o que é descansar.
Tentei ficar deitada por alguns minutos, encarando o teto, mas a casa parecia mais vazia.
Levantei sem fazer barulho, como sempre. O piso gelado contra meus pés descalços me trouxe de volta para o agora, para mais um dia que começava igual aos outros.
Desci até a cozinha, liguei a chaleira, e me sentei em uma das banquetas enquanto o apito do vapor preenchia o ar.
Segurando a caneca quente entre as mãos, caminhei até a varanda. Respirei fundo. O cheiro do orvalho misturado ao aroma das rosas do jardim era quase suficiente para acalmar meu peito.
Olhei para as flores recém-plantadas. Cris insistiu em rosas vermelhas. Para ele, significavam paixão, mas para mim, apenas feridas.
Espinhos prontos para cortar quem tentasse tocá-las de perto.
Meu olhar se perdeu na linha do horizonte. O jardim, o céu claro, o canto discreto dos pássaros. Tudo parecia perfeito de um jeito que minha vida nunca foi.
Do lado de fora, tudo tinha sua ordem. Aqui dentro, era caos. Não o tipo de caos que se vê. Era silencioso, escondido. Invisível até mesmo para quem deveria me conhecer melhor.
Quando ouvi passos no corredor, meu corpo ficou tenso.
Cris.
Fiquei imóvel, como se meu coração pudesse me trair, batendo alto demais. Ele entrou na cozinha com a confiança de quem tem certeza de que o mundo gira ao seu redor.
Gravata alinhada, relógio caro brilhando, como se ele mesmo fosse um reflexo da vida que dizia me oferecer.
— Você ainda está de pijama? - Sua voz saiu baixa, mas cortante. Ele não precisava gritar. Palavras ditas no tom certo podem doer mais que qualquer grito.
— Ainda é cedo. - murmurei, sem encará-lo.
— Você sabe que eu não gosto de desleixo. -
Ele se aproximou e ajeitou a alça da minha camisola com dedos leves, mas que traziam o peso de uma ameaça velada.Era assim que ele fazia: seus gestos pareciam afetuosos, mas só eu sentia a pressão por trás deles.
— Eu vou sair mais cedo hoje. — Disse ele, recuando e ajeitando o paletó.
— Não me espere para o jantar. - O homem finalizou.
Assenti em silêncio, como sempre fazia. Não adiantava perguntar para onde ele ia ou com quem estaria.
Algumas perguntas eram como bombas; explodi-las nunca terminava bem.
Esperei até ouvir o barulho da porta se fechar antes de soltar a respiração. Encostei na parede, a caneca ainda quente entre as mãos, tentando segurar aquele momento de paz como se ele pudesse durar.
Naquele silêncio, me vi de novo naquela varanda, entre as rosas vermelhas. Eu me perguntava o que era pior: os espinhos ou o vazio que vinha quando as pétalas caíam.
[...]
Era incrível a maneira de como em um dia ele me tratava como se eu não significasse nada e apenas quisesse se satisfazer, e no outro, me tratasse como se eu fosse um diamante precioso.
Eu não exigia nada, apenas queria ser tratada de forma correta.
Sai do transe ao perceber que estava a 30 minutos parada, me olhando no espelho enquanto minha mente estava longe, pensamentos que me prendiam.
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Sombras do passado.
FanfictionEm um universo onde os segredos são mais cruéis que a verdade, Âmbar vive um casamento sombrio, arranjado por sua mãe. Mesmo com o início forçado, ela se entregou a esse relacionamento, acreditando no amor. Mas, por trás dos gestos de carinho, seu m...