Prologo

25 1 2
                                    

O dia estava acabando...

O sol, aos poucos, desaparecia no horizonte, levando consigo os últimos raios de luz - e todo o calor - do dia. Logo a noite chegaria.

As planícies de Alleryn estavam devastadas, toda a vegetação chamuscada, ou brutalmente estraçalhada. Não somente isso, milhares de corpos cobriam o chão, muitos destroçados pedaço por pedaço, homens, mulheres e crianças reduzidos a membros jogados aqui e ali. A carne já apodrecendo, as moscas se aproximando.

A cidade de Vallen - ou o que restou dela - jazia mais à frente, solitária se não fosse a presença dos mortos e dos corvos que agora começavam a se alimentar. Os altos muros feitos de uma pedra branca estavam manchados de tons avermelhados e negros, feitos por mãos desesperadas.

Assim que a luz se foi por completo, tudo ficou largado nas sombras, exceto alguns pontos onde chamas alaranjadas ainda insistiam em arder, consumindo o resto de corpos ainda em putefração. E talvez fosse melhor assim, a sombra parecia esconder parte do terror que acontecera há algumas horas atrás.

Em um ponto na Planície de Alleryn o ar começou a ficar turvo, como se estivesse se distorcendo, até que algo pareceu cortá-lo. Do corte, uma fumaça negra começou a escapar e aos poucos uma mão foi se materializando, depois um pé, um corpo . . . O ser que apareceu das fumaças estava encapuzado, o corpo coberto por um manto negro que parecia abraçá-lo, apenas a mão esquerda estava descoberta, mostrando a pele branca onde marcas negras formavam um padrão que ia subindo pelo braço.

O vulto negro permaneceu onde estava por um tempo, olhando para a planície, para os corpos - tantos corpos. A imagem não parecia perturbá-lo, nem o cheiro que o envolvia. E, como se tivesse visto algo, o vulto ficou parado, olhando fixamente para dois corpos no chão. O seu corpo começou a se desfazer, como tinta negra na água, reaparecendo ao lado dos dois corpos, sem fazer barulho algum, como se ele não estivesse ali, como se fosse apenas uma . . . sombra.

Ele olhou atentamente para os ferimentos, os cortes, não foi uma lâmina normal que fez isso. Em um dos corpos estava uma espada, sua lâmina estava impregnada com algo que não era sangue, uma mancha cinzenta que parecia queimar o metal.

- Pensei ter sentido o cheiro daquelas coisas - disse uma voz logo atrás do vulto. Ele também estava encapuzado, com uma mesma vestimenta do primeiro. - Aquelas coisas fedem, o sangue mais ainda - disse apontando para a espada com a mancha cinzenta.

- Elas não estão sozinhas - disse o primeiro.

- Parece que não - disse o segundo.

Os dois começaram a caminhar em direção à cidade, os passos eram leves e pareciam não deixar rastros. Assim que alcançaram os portões, um deles observou os muros.

- Essa maldita pedra . . . - disse o segundo.

- Não tinha como entrar ou sair, apenas os portões davam acesso à cidade - disse o primeiro homem - então como . . .

Algo havia chamado a atenção do primeiro homem, algo que ele não tinha percebido antes. Olhando agora para os corpos espalhados, o local onde eles estavam, aquilo não era por acaso. Ele continuou andando até os portões. Abertos disse a si mesmo enquanto empurrava uma das portas, dando acesso para o interior da cidade.

- Ah, esse fedor de novo - disse o segundo.

Mais corpos à frente, os mesmos ferimentos dos outros do outro lado dos muros. Marcas de garras e dentes afiados para todo o lado.

- Como eles entraram? - perguntou o segundo homem - Os muros . . .

Essa é a pergunta errada, meu caro. O primeiro homem continuou andando pelas ruas. O Distrito Nobre - que era onde eles estavam - era a área onde muitos dos nobres moravam, pelas ruas e casas podia-se ver a riqueza deles. Também era a área mais destruída, buracos foram feitos no chão, paredes demolidas. Era como se a destruição fosse uma consequência de algo mais, quem fez isso buscava algo, e isso era o que ele queria saber. Além disso algo dizia que havia algo a mais ali, uma presença indesejada com a qual eles teriam de lidar a qualquer hora, era como se estivesse sendo observado.

Flores de Prata (Livro de Irien)Onde histórias criam vida. Descubra agora