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O silêncio da casa durante a madrugada contrastava com os barulhinhos sutis que só eu conseguia prestar atenção: o som do vento passando pelo jardim, os grilos cantando e ocasionalmente, hoje, a música do monstro tocando incansavelmente.
Eu saí da cozinha com uma xícara de chá nas mãos, fui em direção a Maike e Gabriel pagando o castigo do monstro.
E cara, isso é ilário.
Maike e Gabriel, vestido como Cléber Bambam, segurando a Maria Eugênia.
Ele fazia um monólogo, segurando a boneca de lata, e se movimentava dramaticamente como se estivesse na final de uma novela mexicana.
— Maria Bonita, só nós dois entendemos o sofrimento desse monstro... Não é qualquer um que aguenta tanta pressão! — dizia ele, com uma voz exagerada, quase teatral.Não me aguentei.
Juro, tentei conter o riso mas escapou, alto e claro.
Ele virou para mim com aquele sorriso travesso que ele sempre fazia.
— Tá rindo de mim, Luísa? Isso aqui é arte, tá? — disse ele, balançando a boneca como se ela também me encarasse.
— Arte? — respondi, tentando recuperar o ar, porque o riso já tinha tomado conta. — Vocês estão engraçados demais.
O figurino dele era tão ridículo que só piorava a situação. As ombreiras gigantes do Bambam, o boné na cabeça... Tudo combinava de um jeito hilário que eu nunca mais vou esquecer.
— Cara, isso é muito bom — disse Gabriel entre risos, apontando para Maike. — Olha o drama! Você tá se superando, velho!
Assim que a música do monstro parou, eu respirei fundo, tentando recuperar o fôlego. Já estava quase chorando de tanto rir daquela cena absurda. Maike, é claro, continuava no papel dele, segurando Maria Eugênia como se fosse uma personagem digna de Oscar.
— Ela até se parece um pouquinho com você, Luísa — ele disse, colocando o braço da boneca delicadamente no meu cabelo e piscando pra mim. — Os cabelos, o sorriso…
Eu revirei os olhos, ainda rindo.
— Nossa, que engraçado. Tô morrendo de rir. — Era mentira, claro, porque eu realmente estava quase caindo na grama de tanto rir.Gabriel balançou a cabeça, ainda rindo, mas deu um passo para trás, como quem estava prestes a se retirar.
— Bom, eu vou deixar vocês dois aí. Boa sorte, Luísa. Lidar com esse aqui por mais de cinco minutos... você é guerreira.— Vai lá, Gabriel — respondi, acenando para ele enquanto ele sumia para dentro da casa.
Quando nos vimos sozinhos, o silêncio da madrugada voltou a nos rodear, mas não de um jeito incômodo.
O vento gelado da madrugada bagunçava meu cabelo enquanto eu me ajeitava na espreguiçadeira. A xícara de chá estava morna entre as minhas mãos, e o Maike? Bom, ele ainda estava ali, sentado ao meu lado, ajeitando a Maria Eugênia em seu colo como se fosse realmente uma companhia indispensável.
— Tá tarde, Luísa. Podia estar dormindo — ele disse, com uma voz mais tranquila do que o habitual.
Dei de ombros, olhando para o céu. As estrelas estavam tão visíveis naquela noite que era impossível não se perder nelas.
— E perder a cena do século? Você pagando o monstro em plena madrugada, vestido desse jeito, fazendo discurso pra uma boneca? Nem pensar.Ele deu uma risada curta, mas não foi tão cheia de brincadeira como o usual. Dessa vez, era só uma risada leve, que parecia carregar o peso de tudo o que ele tinha deixado pra trás lá fora.
— É, faz sentido. Nada disso aqui vai se repetir, né?Por um segundo, o som dos grilos pareceu mais alto, enquanto as palavras dele pairavam no ar. Eu sabia o que ele queria dizer. Nós estávamos confinados, e cada pequeno momento parecia mais intenso.
Olhei pra ele, deixando meu olhar descansar por mais tempo do que normalmente permitiria. Ele estava com a fantasia boba, mas era impossível ignorar como os olhos dele sempre encontravam uma maneira de transmitir alguma coisa. Uma verdade, talvez, ou só a sensação de que ele estava presente de um jeito que ninguém mais estava.
— Voce vai sentir falta? — perguntei de repente, surpresa com a minha própria pergunta.
Maike me olhou como quem estava pensando na resposta.
— Acho que sim, não dos monstros — ele riu de leve, esticando os braços como se mostrasse o ridículo da roupa — mas das pessoas, sabe? Dos pequenos momentos... tipo agora.Eu desviei o olhar para o gramado, mexendo distraidamente na borda da xícara. Ele parecia genuíno, sem aquele tom provocativo de sempre, o que me deixou levemente desconcertada.
— O que tem agora? — perguntei baixinho, sem encará-lo.
Ele fez uma pausa, como se escolhesse as palavras com cuidado, e quando respondeu, a voz veio mais baixa, quase um sussurro.
— Você aqui. O silêncio. Essas conversas e momentos que a gente não teria lá fora.As palavras dele me pegaram desprevenida. Tive que soltar um sorriso, mesmo sem olhar diretamente pra ele.
— Parece até que você tá querendo ser poético, Bambam.Ele riu, jogando a cabeça pra trás, mas não disse nada de imediato. Só me observava, como se estivesse tentando decifrar alguma coisa. Quando finalmente falou, a brincadeira de antes tinha dado lugar a algo mais… verdadeiro.
— Acho que, lá fora, as coisas são tão corridas que a gente esquece de reparar nas pessoas de verdade. Aqui dentro, com tanto tempo, fica impossível não perceber.
— Perceber...? — arrisquei, meu peito apertando um pouco de nervoso.
Ele deu de ombros, finalmente afastando os olhos dos meus para olhar o horizonte.
— Você, por exemplo. Sempre indo e vindo, como se fosse dona de toda a energia desse lugar. Só que agora, quando você tá mais calma, com esse chá na mão, parece uma pessoa diferente.Eu senti minhas bochechas queimarem, mas não sabia se era pela sinceridade ou porque, pela primeira vez, não tinha uma resposta na ponta da língua. Apenas suspirei e olhei pro céu de novo.
— Talvez eu seja só várias versões de mim mesma — murmurei. — Não dá pra ser a mesma pessoa o tempo todo aqui.
— Eu sei. — Ele olhou pra mim de novo, e dessa vez, tinha um sorriso tranquilo nos lábios. — É isso que torna você interessante.
Fiquei quieta por um segundo, mordendo o lábio e segurando um sorriso. Deixei o silêncio falar, porque naquela madrugada, as palavras pareciam menos importantes do que a sensação de estar ali, dividindo um momento simples com ele.
Seja lá o que fosse aquilo, parecia genuíno.
E era disso que eu precisava pra dar o próximo passo.▪︎▪︎▪︎▪︎▪︎▪︎▪︎
Esse capítulo estava prontinho antes de cancelarem o big fone
Gente que doideira né?
Só aguardando o paredão de hj
Não queria que os meninos saíssem...
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