Coupe

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   Froid andava cabisbaixa pelos corredores cinzentos do palácio. As longas cortinas escuras, com cor de sangue, balançavam levemente com a brisa. Os cabelos úmidos e dourados da garota esvoaçavam, os fios dançavam com o vento gélido.
   Gélido. Era esse o significado de seu nome. Froid Flocon "de Neige". O que era engraçado, porque mesmo com todas as provocações, com todas as "brincadeiras" sádicas da rainha, sua própria mãe, Neige era uma menina forte e destemida, que ignorava as marcas de dor e sempre seguia em frente com passos firmes. Mas aquelas malditas marcas ficavam mais frequentes e profundas a cada dia.

   Froid pensava longe. Como seria se seu pai estivesse aqui? Sabia que seu pai não era o rei, uma ação que quebraria as leis do Código de Vigor. Mas esta declaração já havia sido cancelada por Poivrée, a última rainha antes de sua filha, Ivoire, tomar o trono.
   Dizem que ela fez isso muito jovem, pois na época a rainha esquecida — como a chamam pelo fato de que abandonou o reino e é vaiada pela população por causar "a ruína" do povoado — abandonou o trono sem deixar nada. Dizem que apenas Le Bleu, conselheira da época e criadora dócil de Ivoire, sabia detalhes internos. É claro que foi por causa da notícia de que o rei — avô de Froid — que já havia saído do reino a 12 anos, tinha sido dado como morto.
    Proivée era perdidamente apaixonada por seu rei, o que a levou a veter o Código de Vigor e criar uma nova declaração de leis e direitos populacionais e do estado, a Constituição de Rose Alame. O erro fatal que a pobre e apaixonada Privée cometeu, foi o de não assinar esta declaração, e assim, não trancar. Portanto, caiu nas mãos da atual rainha, o que foi um verdadeiro pesadelo para todos.

    A geração de Privée, La Reine Nomade, foi uma das melhores. Com o abandonamento do Código de Vigor e criação/reformulação de leis, Privée estabeleceu vários direitos beneficentes e justos para a população do reino de Torefon. Os 8 anos em que o rei ficou na companhia de sua rainha, foram de paz e prosperidade para o reino. A taxa de pobreza chegou a diminuir em até 79% em 5 anos, o que provara o quanto o Código de Vigor poderia estar desatualizado. Na realidade, Privée pouco se importava com isso, só queria ficar com seu rei.
   
    O rei.

   De todos os reis, ele era o mais respeitado. As pessoas levavam em consideração as ações beneficentes no reino como autoria dele, o que na realidade era um fato. O rei era um tipo de divindade, por trazer tantas vantagens para Toferon. Até mesmo com o cancelamento da guarda nacional de ataque, a população o aplaudia. E ainda o aplaudiria, se não fosse a rainha atual.
  
    Aquela rainha maldita e neurótica botava toda a culpa de suas dores naquele homem.
O odiava amargamente, tanto até que mandava para a guilhotina quem mencionasse seu "maldito" nome. As pessoas então passaram a chama-lo daquele modo.
 
   Isso era um pouco do que Froid sabia sobre seu avô, pois nem o nome do mesmo era de seu conhecimento, tamanho o amargor de Ivoire com ele. Froid brincava.

— "Ivoire tem mais amargor do rei do que a Reine Nomade tinha de sua saída do reino."

    Estava uma vez mais perdida com seus pensamentos quando, de repente, Froid desabou no chão. O tapete liso fizera com que ela deslizasse repentinamente. Soltou um grunhido de dor, e logo a sua frente, viu algo. Um pedaço branco e robusto. De papel. Estava coberto pelo tapete, rasgado naquele exato ponto. Froid puxou o papel, que revelara-se dobrado. O desfez e observou as escritas no papel.

Le Vieille
Você está cuidando bem da rainha?
Nós deixaremos la toxique naquele lugar que você sabe qual. Aquele onde a "amorosa" rainha quebrou seu braço num ato de fúria.
Lembranças, lembranças... perdoe pelo lugar "inusitado", mas por quê iria a rainha reparar neste local?
Além disso, la toxique está debaixo da madeira saltada da quina. Você já sabe como abri-la.
Estamos contando com você, Le Jaune... sua prima é um monstro e deve ser erradicado, sabe disso. Um passo em falso e saberás teu destino.

— Le Barbe

    Froid ficou horrorizada. "Quem era Le Barbe? Quem era Le Vieille?". Por mais que a carta não se tratava nada mais, nada menos do que algum atentado a rainha, não foi apenas isso que surpreendeu a garota.

Ps: traga a garota para mim, na Pont des Temp.
A conselheira, a senhora, venha depois da meia noite.
E finalmente terá sua recompensa. Uma pena que a garota que deveria ter estas vantagens também não as terá."

    — "Le Vert está tentando matar a rainha... e roubar meu lugar de herdeira no trono?!"

    Froid apertava o papel, com mãos trêmulas e suadas. Deslizou as costas num dos pilares de mármore, desabando no chão do corredor longo e fracamente iluminado pelas janelas que davam para um dia cinzento e nublado. A garota olhava para o céu carregado. Apertava o punho. Foi virar o papel para confirmar sua teoria e acabou por cortar seu dedo nele. O sangue escorreu pelo papel. Froid percebeu, então, que revelara algo importante, uma escritura muito mais antiga do que a que estava em tinta fresca naquele papel.

    Ela saiu correndo em direção da porta ao fim do corredor, que dava para o grande salão que levava a outro corredor na outra porta, quando ouviu uma voz.

    — É proibido vandalizar o palácio!

   Froid olhou em direção da voz e viu um guarda. Percebeu que o papel havia voado de sua mão, e este papel havia causado um grande corte no tapete, por onde voara. Começou a sentir uma dor lancinante, e percebeu que esvaia sangue em sua mão. Nada podia fazer. Colocou-se ereta, com os dois braços para frente e as mãos abaixadas, "um sinal de fraqueza e rendição daqueles que são inferiores".

   Já não bastava aquilo, Ivoire surgiu da porta na qual Froid teria passado a algum momento. Observou toda a situação, e balançando a cabeça, disse serenamente.

    — Outra vez na catacumba.

    A garota caminhava cabisbaixa junto ao guarda, enquanto a rainha cuidadosamente recolhera o papel do chão, com uma expressão inexplicável que misturava ódio, satisfação e surpresa.

Reine FolleOnde histórias criam vida. Descubra agora