Capítulo 3

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Reviro-me na cama, sem muita coragem de levantar. Ouço diversas vozes lá fora e noto que sou a última a acordar.

Não tinha atentado para o fato de que meu plano pudesse ter uma falha. Quando escrevi o roteiro tudo se encaixou tão bem! Quem é essa namorada misteriosa?

Procuro o presente de Tiago na mala. Está sem utilidade alguma. Como fui tão idiota? Não se ensaia uma peça com apenas um dos atores. Quero gritar.

Claro que cogitei a possibilidade de centenas de garotas quererem namorá-lo. Só não tinha me tocado que ele já poderia ter escolhido uma.

Na cozinha encontro tapiocas, bananas fresquinhas e café. Gabi e Tiago estão rindo na sala e tenho a sorte de eles não me verem passando. Preciso de espaço. Acho que meu pai já foi para o trabalho.

Sirvo-me de tudo e checo o celular. Saber que Tiago tem uma namorada de verdade me atingiu de alguma forma. Queria poder conversar com as meninas sobre isso. Mentir para suas amigas tem uma série de desvantagens. Mas onde estava a audácia de dizer que eu sou BV? Elas nem me perguntaram se eu tinha uma vida amorosa, apenas presumiram isso.

— Oba! Mais presentes chegando! – Tiago entra na cozinha, agarra uma tapioca e sorri para mim.

— Como? – demoro um pouco a fazer a transição entre meus pensamentos e a realidade.

— Pre-sen-te! Gabi já me deu o Batman de Durepóxi que fez para mim. Ela é uma artista. Cadê sua parte do aluguel?

Engasgo com o café. Não posso entregar o que eu trouxe. E ele continua a me sorrir, com uma inocência angelical.

Larissa aparece e tenho a impressão que seus olhos estão vermelhos. Ela puxa um óculos de sol habilmente da bolsa e os coloca.

— Crianças, vou na casa da minha mãe ajudar nos preparativos da ceia. Aproveitem o dia – pega uma banana na mesa e sai pela porta dos fundos.

— Seremos sempre crianças... – ele meneia a cabeça e esquece de requisitar novamente o presente. Estou a salvo.

***

Devido à minha "impossibilidade" de ir à piscina, achamos interessante jogar War. Mas a partida está muito demorada. Gabi não entende bem as regras, precisamos explicar tudo sempre que é sua vez.

— E, senhora Mari, onde está o aluguel? – o assunto surge de repente, e Tiago nem tira os olhos do tabuleiro. É feio ficar pedindo presente, não é?

— Onde está sua educação, senhor Tiago? Sua mãe não lhe ensinou que presentes devem ser oferecidos de bom grado?

Antes de ele responder, meu telefone toca Jingle Bell e sou salva pela ligação de painho. Corro para atender no quarto.

— Marieta, saí cedo, mas não pense que não ficará de castigo pelo que fez.

— Pai, já disse para não me chamar...

— É seu nome – ele me corta. – Larissa te recebe tão bem todas as vezes e gosta muito de vocês duas!

— Mas...

— Estou falando ainda, não me interrompa. Você não é obrigada a gostar dela, mas pelo menos use a educação que sua mãe e eu te demos. Já está uma mocinha e não vou deixar que ofenda as pessoas assim.

Tentei argumentar, mas painho não quis me ouvir. A nojentinha tinha ido fazer fofoca e jogado ele contra mim!

Lanço-me debaixo do edredon e deixo lágrimas de raiva molharem o travesseiro.

— É sua vez, Mari – ouço Gabi me chamar da porta do quarto.

— Cansei desse jogo, pode ficar com minhas peças – esforço-me para que não note que estou chorando.

Ela não diz mais nada.

***

Consigo passar o dia na cama e ninguém me chateia, porque acham que é coisa de adolescente menstruada. Algo útil nessa sangria.

Batidas à porta. Falei cedo de mais. Ignoro.

Tiago gira a maçaneta devagarinho e coloca a cabeça para dentro. O perfume dele inebria meus sentidos.

— Ainda não está pronta?

Não quero ir a esta festa estúpida na casa da mãe da minha madrasta. Não queria ter vindo a Campina Grande. Não queria ter mentido para minhas amigas. E, sobretudo, não queria ter me apaixonado por Tiago.

— Em 5 minutos – tento parece convincente.

— Ei! Aquilo é meu presente? – ele se adianta sobre a mala, que ainda estava aberta e toma o embrulho em suas mãos antes que eu tenha chance de alcançá-la.

— Não! – estou em pânico. – Esse presente não é seu!

Um sorriso maroto brota em seu rosto enquanto revira o embrulho.

— E por que tem meu nome nele?

— É porque eu ia te dar, mas depois pensei que você merecia uma coisa melhor por ficar desalojado e tudo o mais...

— E onde está esta outra coisa?

— Eu, eu... Ainda vai chegar. Pedi pela internet.

Tiago considera minhas palavras um momento, franzindo as sobrancelhas.

— Não. Vou ficar com esse mesmo. Quando o outro chegar podemos trocar – ele sai com o pacote e minha garganta se fecha. – E se arrume logo que já estamos de saída.

A VIAGEM DE MARIOnde histórias criam vida. Descubra agora