Memento Mori, Edgar.

71 2 5
                                    


Todos lhe chamavam de Ed, mas ele não gostava de ser chamado assim por este apelido, desde sempre queria passar um ar de seriedade.

Todos os dias ele passava pela frente de um cemitério, observava por entre as grades azuis todos aqueles túmulos que exalavam suas artes mortas.

Passava um período de horas trabalhando para ganhar seu sustento em um local cheio de monstros (homens e mulheres), foi o que tinha conseguido para sobreviver.

Era uma noite chuvosa, o jovem Edgar estava lendo um antigo livro herdado do seu avô, do alto ela lhe observava, seu olhar vazio prestava atenção em todos os movimentos do rapaz como também ouvia nitidamente os batimentos do seu coração.

Ela queria se aproximar, mas tinha certeza de que se apresentasse com sua forma natural não seria uma boa ideia. Após dar uma volta por outros continentes e ter abraçado alguns dos seus moradores, ela resolveu descansar sob o teto do quarto do Edgar, ele dormia, então ela deitou-se ao seu lado, fechou os olhos e sem respirar caiu em profundo hiato.

Certo dia, neste não havia chuva, porém o céu estava nublado, assim como algumas pessoas neste mesmo dia, ao caminhar pelas calçadas gélidas sentiu um respirar mais frio do que se possa imaginar se aconchegando em seu pescoço, um corvo seguia sobre sua cabeça aquele mesmo caminho, ele viu aqueles olhos grandes da ave a lhe encarar, seu rosto pálido devolveu o olhar macabro, aquele bico parecia mais uma foice afiada do que realmente um bico de pássaro.

Ao chegar numa pequena praça iluminada por poucos postes com suas vagas luzes, ela se empoleirou sobre o encosto do banco onde Edgar acabara de sentar e do bico da ave duas palavras saem como se fosse um cântico fúnebre entoado em um inverno sem fim.

Toda vez que Morte disfarçada de pássaro falava tais palavras, ela beijava uma alma e seu corpo era abraçado ficando vazio e decadente, até mesmo o gato preto que passava aleatoriamente em busca de alguns ratos para se divertir fora tirado desta terra e seu cadáver foi consumido pelos ratos que o gato estava a procurar.

De súbito o pássaro olha para o rapaz e pergunta: Você tentará viver de verdade ou prefere chorar pelos fragmentos quebrados de seus sonhos juvenis? Ela se foi, agora ela é apenas fotografia que eterniza seu sorriso perdido entre os mármores frios. E ela não voltará para você, muito menos te chamará para perto dela, os mortos não fazem convites, Edgar. E Lenora está duas vezes morta.

Ele suplicou para que a Morte-ave transpassasse seu corpo com seu bico-foice, porém ela não atendeu seu pedido, não naquele momento, sendo que nem mesmo ela tinha poder sobre quem abraçar e sobre quais lábios de almas beijar.

Edgar volta para seu quarto vazio e novamente pega o antigo livro, senta-se em sua cadeira e busca entender minuciosamente cada palavra ali escrita. Cada letra absorvida pelos seus olhos desceu devagar de sua mente e encontrou guarida em seu coração fazendo com que o jovem encontrasse disposição para viver e ver o mundo assim como ele realmente é triste, vazio e cheio de traumas, mas isso não era algo que lhe assustara, pois seu coração estava firme naquilo que entendera, naquelas palavras e marcadas e perpetuadas pelo tempo.

Antes de partir, Morte encostou-se em seu ouvido e disse: Memento Mori, Edgar. Ainda nos veremos e será breve, e o jovem rapaz de imediato responde sarcasticamente: Sim, mas desta forma... Nunca mais.


Os Fragmentos do IlusionistaOnde histórias criam vida. Descubra agora