VIII

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Lemos voltara satisfeito com o resultado da sua exploração.

Era o velho um espírito otimista, mas à sua maneira, confiava no instinto infalível de que a natureza dotou o bípede social para farejar seu interesse e descobri-lo.

Tinha pois como impossível que um moço, em seu perfeito juízo, dirigido por conselho de homem experiente, repelisse a fortuna que de repente lhe entrava pela porta da casa, e casa da Rua do Hospício a sessenta mil-réis mensais, para tomá-lo pelo braço e conduzi-lo de carruagem, recostado em fofas almofadas, a um palácio nas Laranjeiras.

Sabia Lemos que os escritores para arranjarem lances dramáticos e quadros de romance, caluniavam a espécie humana atribuindo-lhe estultices desse jaez; mas na vida real não admitia a possibilidade de semelhantes fatos.

- "Não se recusam cem contos de réis", pensava ele, sem uma razão sólida, uma razão prática. O Seixas não a tem; pois não considero como tal essas palavras ocas de tráfico e mercado, que não passam de um disparate. Queria que me dissessem os senhores moralistas o que é esta vida senão uma quitanda? Desde que nasce um pobre-diabo até que o leve a breca não faz outra cousa senão comprar e vender? Para nascer é preciso dinheiro, e para morrer ainda mais dinheiro. Os ricos alugam os seus capitais; os pobres alugam-se a si, enquanto não se vendem de uma vez, salvo o direito do estelionato.

Assim, convencido de que Seixas não tinha o que ele chamava uma razão sólida para rejeitar o casamento proposto, não vira Lemos na primeira recusa senão um disfarce, ou talvez o impulso dessa tímida resistência, que os escrúpulos costumam opor à tentação. Esperava, pois, pela salutar revolução que dentro de poucos dias se devia operar nas idéias do mancebo.

Ao sair da casa de Seixas, Lemos dirigiu-se à casa do Amaral, onde entabulou uma negociação que devia assegurar o êxito da primeira.

Desenganado o moço da Adelaide e dos trinta contos, não tinha remédio senão aceitar a consolação dos cem; consolação que levaria o pico de uma vingançazinha.

Não sei como pensarão da fisiologia social de Lemos; a verdade é que o velhinho não mostrou grande surpresa quando uma bela manhã veio dizer-lhe seu agente que o procurava um moço de nome Seixas.

Esse agente chamava-se Antônio Joaquim Ramos, e era o mesmo de quem o velho tomara emprestado o nome. Estava prevenido pelo patrão desta circunstância que não o surpreendia, pois era jubilado em tais alicantinas.

- Que espere! gritou o velho.

Tinha Lemos na loja da casa de morada uma cousa chamada escritório de agências.

Era um corredor que dava porta para a rua e estendia-se até à área do fundo, onde o velho trabalhava dentro de uma espécie de gaiola, feita de tabique de madeira com balaústres.

Fora daí que respondera. Era seu costume sempre que ia tratar de negócio importante, ruminá-lo de antemão para não ser tomado de improviso. Foi o que fez nesse momento.

- De que disposições virá o sujeito? Quererá sondar-me a respeito da noiva, desconfiado de que lhe pretendo impingir alguma carcaça? Ah! ah! por este lado não há perigo. Terá intenção de regatear? A menina não se importa de chegar até aos duzentos e aposto que se for preciso vai por aí fora, que isso de mulher, o dinheiro faz-lhe cócegas. Mas eu é que não estou pelos autos! Seguro-me nos cem, que daí não me arrancam. Quando muito uns vinte de quebra, para o enxoval e nem mais um real!

Tendo feito seus cálculos, Lemos chegou à porta do cubículo e gritou para a frente do armazém:

- Mande entrar!

Quando Seixas chegou ao escritório, já Lemos estava de novo trepado no mocho, e debruçado à carteira continuava a despachar seus negócios. Sem erguer a cabeça fez com a mão esquerda um gesto ao moço indicando-lhe o sofá.

Senhora - José de AlencarOnde histórias criam vida. Descubra agora