1 - Waking Up

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Depois de quatro meses no hospital, é hoje o dia em que finalmente vou para casa. Passei muito tempo deitada numa cama, em coma. Foi tudo uma armadinha, o plano era drogarem-me naquela festa, o plano era matarem-me. Quando cheguei a casa e adormeci, mal eu sabia que iria ser o maior sono que eu alguma vez dormira.

- Então filha, preparada para ir para casa?

Ri-me, a última vez que disse que ia para casa acabei por morrer, mas parece que foi tudo apenas imaginação, foi apenas a minha mente a brincar com os meus sentimentos. Quando se está em coma, os sonhos nunca acabam, e perdemos o controlo da gravidade destes. Não se consegue distinguir a imaginação da realidade, nunca sabemos o que realmente se passou.

- Sim mãe, nunca estive tão feliz por sair de uma cama.

Ambas nos rimos, apesar de as nossas almas estarem repletas de tristeza e solidão, depois de tudo o que se passou.

- Vá, eu ajudo-te a levantar.

Saí da cama em que já estava deitada há quase meio ano, tinha a cabeça à roda e os músculos franqueavam como nunca antes. A minha mãe estava com cara de "Mais tarde falamos em casa", e eu sei o porquê, ela viu os meus cortes, os meus braços estavam cheios de pensos e creme. Aposto que mal estiver melhor, leva-me direitinha ao psicólogo.

Levantei-me e finalmente pus os pés no chão, na realidade, e foi como se fosse a primeira vez que eu estava a fazer tal coisa. Eu andava como se fosse um bebé, como se estivesse a aprender como me mexer e equilibrar. O meu primeiro instinto foi abraçar a minha mãe, começámos ambas a chorar, eu poderia ter morrido naquela noite. Não consigo imaginar o sofrimento da minha mãe e a dor que ela sentiu, ao receber a notícia de que a sua filha estava no hospital, depois de ter uma overdose. Sinto que a desapontei mais que nunca. Eu era a sua única filha, eu era a única coisa que ela tinha, e ao ver-me deitada numa cama, sem data para acordar, deixou-a devastada.

- Desculpa-me por tudo mãe, eu sei que sou uma filha horrível.

E era, eu não deveria ter confiado em estranhos, muito menos drogar-me e embebedar-me.

- Inês, a culpa não é tua, eu é que sou a mãe, eu é que deveria estar presente, mas eu também tenho trabalho, ser mãe solteira não é fácil.

A minha mãe estava a pôr as culpas nela para me tentar fazer sentir melhor, o que não aconteceu, eu estava pior que a merda. Eu já sabia a resposta, mas perguntar nunca fez mal a ninguém.

- Mãe, o pai por acaso veio-me visitar?

- Lamento Inês, mas o teu pai prefere fingir que nós não existimos.

Not surprised, o meu pai sempre foi assim, ele nunca está presente, mas ele foi assim desde que me lembro. Ele pensa que ainda é um adolescente, e age como tal, festas todos os dias, namoradas novas todas as semanas, não me admirava nada se eu tivesse uns poucos de irmãos espalhados por aí. Mas eu nunca entro na vida dele.

- Não faz mal mãe, tive-te a ti, só isso me importa.

- Agora que falas nisso, costumava vir cá um rapaz todos os dias à tarde, quando não estava cá ninguém, parecia que queria que ficassem os dois sozinhos, parecia que queria que ninguém vos visse juntos. Mas depois quando disseram que era provável acordares em breve, ele desapareceu. Estranho, não achas?

- Patch? - sussurrei. Não, não achava estranho, Patch não queria que ninguém nos visse juntos porque tinha receio que alguém pensava que nós namorássemos, e eu tinha deixado bem claro que não queria assumir nenhuma relação. Foi-se embora porque provavelmente pensava que eu não o queria ver mais, o que na altura era verdade e eu até lhe cheguei a dizer. Eu fui estúpida, Patch errou mas nós só nos conhecíamos há uns dias, eu entendo que ele ficou assustado com o rumo que a nossa relação estava a tomar, ele não se queria precipitar.

- Inês, vamos-te vestir?

Pela primeira vez na vida a minha mãe queria que eu vestisse as minhas roupas pretas, aposto que a bata branca que eu usei este tempo todo a deixou traumatizada para o resto da vida.

Vesti-me e esperei que me dessem alta para eu poder sair do hospital. Estava frio e nublado, tal como eu gosto. Parecia que tudo e todos estavam a fazer com que eu saísse de lá.

- Está tanto frio, a última vez que me lembro estava bué calor.

A minha mãe riu-se.

- Tontinha, já estamos em dezembro, quase no Natal, por isso é normal que esteja frio. Ainda bem que já acordaste, não queria nada passar a época natalícia sozinha.

Já estávamos no Natal? Isso quer dizer que eu perdi o primeiro período da escola? Parece que o meu plano de ter boas notas não resultou.

- Nem eu queria que ficasses nem mais um segundo sozinha. Vamos passar o Natal a algum lado?

- Inês, eu sei que tu pensas que já estás bem, mas ainda não. Tens de descansar o máximo possível. Mas se tu não te importares eu posso chamar os avós e alguns primos para irem lá a casa, o que achas?

- É uma boa ideia... - Na verdade, não era, eu não convivia com ninguém, sentia-me sempre de lado, mas se isso deixava a minha mãe feliz, então eu também ficava feliz.

Entrámos para o carro e dirigimo-nos para casa. Quando chegámos, a primeira coisa que fiz, foi dirigir-me ao meu quarto. Estava com saudades da minha cama e das minhas almofadas muito mais confortáveis do que aquelas do hospital. Reparei que debaixo de uma delas, estava um papelinho que dizia "Amo-te apesar de tudo". Eu tinha a certeza que tinha sido o Patch, será que ele sentia a minha falta? Será que ele me amava mesmo? Será que estava arrependido? Só havia uma maneira de descobrir.

Unspoken Words - Parte IIOnde histórias criam vida. Descubra agora