Desejo de Vingança

Alice

Alice? Alice? A não, aquela voz de novo não.

Já é segunda? Como assim os dias estão voando? Olho pra Samantha que, como sempre, está impecável. Eu nunca conseguiria ser igual a ela, NUNCA.

-Levanta, dominhoca - ela puxa meu cobertor e tento ao máximo permanecer na cama.

-Por favor, 5 minutos... - me deito novamente e cubro meu corpo.

-ALICE - ela grita me fazendo sentar. - 5 minutos para você levantar daí e ir se arrumar.

Droga, todo dia é assim. As 8 horas em ponto eu tenho que estar bem vestida e alinhada como um enfeite de decoração na ponta da mesa. Tudo é muito superficial, eu me canso de ser sempre essa tolinha que fica apenas sorrindo e cumprimentando os convidados de papai.

-Hoje o Conde Verli vem. - quem é conde Ver.. sei lá o que? Reviro meu olhos e entro no banheiro. - Espere Marlene.

-Eu sei tomar banho sozinha. - grito e sinto ódio em ter que ser cuidada todo tempo por alguém.

-Eu sei, princesa. - ela sabe que ODEIO ser chamada assim - Mas espere por Marlene.

Bufo e sento na ponta da banheira. Nem um único banho eu posso tomar sozinha? Será que vou ter que aguentar isso até quando? Escuto o toc toc e minha serva entra com a cabeça abaixada ligando todas as torneiras para preparar meu banho.

-Você pode levantar a cabeça. - falo enquanto percebo que, apesar de insistir todos os dias, Marlene ainda me trata como ser superior - Nós somos iguais.

-Não senhora. - ela olha para o pé - Eu sou apenas uma serva e você é uma princesa. - meu deus, as vezes penso em acabar com toda essa baboseira de classes que existe.

-Toque aqui? - mostro meu braço e ela continua parada olhando pro chão -É uma ordem. - só assim para obedecer. Ela toca meu braço com os dedos trêmulos e fica sem sabe o que fazer. - Agora toque aqui. - boto sua mão livre no seu próprio braço -Percebe alguma diferença?

Ela levanta os olhos e me olha assustada, eu sei porque: "é proibido tocar qualquer membro da família real" diz o enorme aviso que fica ao topo da escada, ridículo.

-Responda. - mando, mas na verdade quero pedir.

-Na... não. - ela tira o braço de mim e volta a ficar na posição estátua.

-Isso mesmo, não tem diferença. Tudo de carne e osso. - me deito na banheira e peço - Agora deixe que eu, sua semelhante, se lave só.

As vezes tenho que parecer com uma ditadora para conseguir o que quero, isso tudo é patético. Eu odeio ser desse mundo, odeio os pais que me abandonaram e odeio a infeliz tuberculose que levou minha mãe daqui.

-Eu disse 5 minutos, não 10 - Sam grita batendo com força na porta.

Samantha tem a minha idade e é a única pessoa que amo. Ela não liga para essas coisas de não gritar com a princesa ou tocar nela, simplesmente faz o quer e ligava o foda-se para o mundo.

-Te amo - grito me enxugando.

-Eu também.

Tudo está milimetricamente arrumado. Os três pratos, um em cima do outro, são iguais em todos os 20 lugares da mesa. As taças, hoje, estão azuis combinando com o lenço de colo. Meu sorriso está o mesmo de ontem, que é idêntico ao de antes de ontem... e assim até quando tinha 5 anos e comecei a frequentar as refeições na sala real.

Todo dia, 18 membros da Classe A tem a oportunidade de tomar o café da manhã com a família real. O procedimento é sempre o mesmo e a babação continua inalterada. Estou sentada na ponta esquerda da enorme mesa com um véu sobre meu rosto. Eu sei que boa parte dos membros já me viram sem, mas, hoje, possuíamos 5 integrantes da Classe B por estarem sendo importantes em algum negócio do rei. Os membros da Classe B só partilham a nossa mesa quando expressamente convidados e ensaiados para se portarem diante de sua alteza. Por esse motivo, eu estou vestindo algo que cobrisse meu rosto, apenas a nobreza e os servos do castelo sabem exatamente como eu sou. Eu não sei bem o porquê, mas meu pai não gosta que membros das classes inferiores a A possam ver meu rosto.