Capítulo 72 - Namore alguém que...

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Namore alguém que olhe pra você da maneira como você quer ser olhado: com o desejo que um chocólatra compulsivo olha para uma barra de Sufflair, com o respeito que Daniel San olha para o Mestre Miyagi, com o amor que Sally olha para Jack Skellington. Namore alguém que seja da maneira como você quiser: gordo, magro, preto, branco. Preto com branco. Loiro, moreno, careca, cabeludo, rei, ladrão, polícia, capitão. Alguém que goste de fazer qualquer coisa que seja, desde que essa coisa não te incomode: piquenique no parque, maratona de filmes embaixo do cobertor, campeonato de arroto, roda de leitura, cantoria em karaokê. Alguém que tenha o sonho e a ambição que fizerem sentido para você – pouco importando se for algo grandioso, como fazer trabalho humanitário na África, algo mediano, como viajar pela América do Sul num trailer, ou algo banal, como completar o álbum de figurinhas do Campeonato Brasileiro.

Namore alguém que tenha como maior virtude aquilo que você achar importante: a sinceridade, a persistência, a delicadeza, a sabedoria, o bom humor, a seriedade. A beleza – seja ela exclusivamente interna ou essencialmente externa. Alguém que tenha defeitos, mas somente aqueles que não forem contra os seus valores. Alguém que faça com você somente o que for de comum acordo – seja transar loucamente em um quarto de motel diferente a cada semana, seja guardar o sexo para depois do casamento. Alguém que seja Expert naquilo que você achar importante: na arte de fazer feliz ou na arte de multiplicar dinheiro. Alguém que te trate em público da maneira como você se sentir mais confortável, seja demonstrando desejo em forma de beijos e carícias, seja demonstrando respeito aos limites que você impõe.

Namore alguém que privilegie o que você acha essencial: o dinheiro ou a simplicidade, o riso sincero ou o choro sincero, o saber falar ou o saber calar.

E quer saber? Se você não quiser, nem precisa namorar. Vai estudar. Vai ver um filme. Vai transar. Vai fazer um bolo. Não precisa namorar, moça. Por mais que a sua time line viva inundada de fotos de casais de mãos dadas e de chatíssimas declarações daquele amor eterno que dura, quando muito, três meses e uma viagem a Las Vegas. Por mais que a sua família viva perguntando pra você como estão os namoradinhos – ótimos, aguei e coloquei todos eles pra tomar sol essa manhã. Por mais que a internet e as revistas femininas bombardeiem você com listas levianas e generalistas de "10 motivos pelos quais você deveria arranjar um homem pra chamar de seu JÁ".

E sabe, moça, se você não quiser, também não precisa casar. Por mais que você namore há dez anos. Por mais que o sonho da sua avó seja vê-la de véu e grinalda, gastando uma grana violenta e contraindo dívidas só pros outros se divertirem às custas da sua união com outro alguém. Por mais que Bolsonaro, Feliciano, Malafaias e toda essa corja fiscalizadora da felicidade e do prazer alheios digam que família = (homem + mulher) x unidos pelo matrimônio + filhos.

Aliás, moça, me deixa falar outra coisa? Se você não quiser, não precisa ter filhos. Por mais que o sonho da sua mãe seja ser avó e você seja filha única –que pena, mamis, fica pra próxima (vida). Por mais que todo mundo diga que filhos são úteis pra limpar a nossa bunda quando a gente envelhecer. Por mais que a tia da escola tenha ensinado que o ciclo natural da vida passa necessariamente por reproduzir.

A não ser se alimentar, respirar, dormir e respeitar a si mesmo e o próximo, se você não quiser, não precisa fazer nada dessas coisas que todo mundo vive dizendo que você tem que fazer antes de morrer. Não precisa namorar. Não precisa casar. Não precisa ter filhos. Nem um cachorro. Nem pular de paraquedas. Nem tomar um porre uma vez na vida. Nem comprar a peça de roupa ~must-have~ da estação. Nem fazer uma tatuagem. Nem ler James Joyce. Nem assistir a Sense 8. Porque você é livre. E falta de liberdade não é somente não poder fazer algo que você quer fazer. É também ter que fazer algo que você não tem a mínima vontade só pra agradar um bando de gente enxerida que não tem absolutamente nada a ver com a sua vida.

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