II (O Intervalo)

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Depois de levarmos outra advertência e uma suspensão de uma semana, fomos até o pátio para que enfim pudéssemos ter a primeira refeição do dia. O professor Goulart não tinha deixado passar em branco, ficou nos esperado do lado de fora da sala com a intenção de ferrar com a nossa imagem de uma vez por todas, e então dirigimos à sala da diretora em silêncio, pois qualquer palavra dita poderia ser usada contra nós. O que resultaria em detenção.
Lia estava mais preocupada com o fato de ter marcado de ir ao cinema com um garoto - o qual não sitara o nome -, mas talvez esse pequeno pedaço de papel pudesse mudar totalmente sua programação de fim de semana.
- Você está me ouvindo? - perguntou.
Concordei com a cabeça e continuei a ignorar.
- Minha mãe vai me matar quando souber disso, não faz ideia da encrenca. Ela estava querendo me castigar mas não havia motivos até isso aqui aparecer! - levantou o papel com um olhar de desprezo e continuou a comer seu sanduba natural.
Na maioria das vezes, em que ela falava de seus problemas, eu arranjava algo para me focar, um ato de distração. Uma coisa é a pessoa pedir conselhos, discutir seus problemas pessoais e outro é ficar tagarelando vinte vezes a mesma coisa.
- Ah, tive uma ideia!

"Meu deus, será que ela não vai parar de falar?"

Deu um sorriso de canto, e disse:
- Digo que estou doente.
- Não vai rolar, ela vai ver suas faltas depois.
- É, tem razão. Mas podemos ir ao cinema ainda..
- "Podemos"?
- É. Eu, você e ele.

"Ela só poder estar de brincadeira..."

- Você vai amar ele assim que bater os olhos! - disse entusiasmada. - Mas tome cuidado para não amar demais, até porque sou ciumenta.
Hesitei.
- Tanto faz.
A última coisa que iria querer para o fim de semana seria um cinema sem uma companhia, não é nada agradável ir com alguém que já tem um par. Nem quero imaginar a expressão do garoto quando ver que é um encontro triplo, só Lia mesmo para ter essas idéias loucas justo no primeiro encontro. Aposto que depois disso ele vai fugir dela e tentar evitar o máximo qualquer contato físico, ninguém consegue suportar as suas chatices de sempre. Não sei como ainda não surtei por tê-la como colega de quarto. Tudo bem, estou exagerando. Ela tem lá os seus defeitos, mas por trás é uma pessoa legal.
Eu a conheci no Texas há cinco anos, nos esbarramos no Starbucks e sem querer derrubei toda sua bebida no chão, lhe paguei outra e depois sentamos em umas das mesas para conversar e ficamos até anoitecer. Ela me contou toda a sua história e vice versa, estava tão abatida que fiz a loucura de convidá-la no mesmo dia para um jantar em minha casa. Meus pais gostaram muito dela e achavam que deveria chamá-la sempre que pudesse e o máximo de vezes possíveis, tínhamos bastante afinidade e suas risadas davam vida à casa que vivia a maioria das vezes silenciosa.
Naquela época ela morava com sua mãe, que anos mais tarde fora contratada como estilista em uma loja de noivas em Londres, para que ela não perdesse a oportunidades eu e meus pais fomos morar mais próximos dela, assim não deixando-a completamente sozinha em Park Fields, já que seu pai tinha falecido.
Desde então somos inseparáveis.

Após à aula demos uma passada rápida no shopping para ver uma roupa nova. "Devemos causar boa impressão", segundo Lia. Até que concordo com ela nesse ponto, mas depois de vê-la experimentar as roupas me fez repensar se isso foi realmente uma boa ideia. Primeiro fez uma combinação estranha de calça legging com um vestido.

"Isso não é um vestido, é uma blusa comprida." dizia ela, toda vez que eu usava a palavra "vestido".

Afinal, era sim um vestido.
O segundo look foi o melhor que escolhera, uma calça jeans escura com uma blusa de manga curta florida azul. Aquela cor combinava muito com o seu tom de pele, assim como o rosa bebê, mas acho que isso combina com quase todo mundo. Escolhi a minha na primeira tentativa - um vestido preto meio transparente com rendas combrindo-o por completo -, e assim passamos na lanchonete para chamar o Andrew - Além de segurar vela tenho que ir com um amigo gay para que não ocorra o risco do garoto querer apressar o encontro triplo. Bom, não mais. Nada estava tão confortável, e quando achei que não poderia piorar eles escolhem um filme de comédia romântica.
- Fala sério, nós vimos esse semana passada. - disse Andrew.
- Mas não estava com o Lucas daquela vez. - respondeu Lia.
- Lucas? - perguntei.
- É, Lucas - encarou-me. - Não achou que ela não tinha um nome, né? - perguntou ela.
- Claro que não, mas disse que não contaria a ninguém até o dia.
- Não se preocupe - disse ele. - Ela não me contou antes, se é o que está pensando.
- Ah, beleza, vamos discutir isso depois porque agora temos que comprar os ingressos - ela disse.
Nos dirigimos até o balcão para comprar, eles estavam escolhendo os lugares enquanto eu apenas ficava lá observando. "Em dinheiro ou Cartão?", perguntou a moça...

Sinto minha cabeça latejando e de repente tudo está distorcido a minha volta, as vozes pareciam abafadas e o chão parecia estar tão distante como se não houvesse fim.

- James? He-lôu.
- O que?
- Você vai ficar sentada do meu lado esquedo, o Lucas no direito e o Andrew do seu lado. E vou comprar uma pipoca para cada, não sei se ele come muito mas tenho a certeza que esse garotão aí sim.
Andrew deu um sorriso tímido.
Dou mais uma olhada nos filmes em cartazes para ver se tem algo interessante quando me deparo com a tabela de preço e os dias de promoções.

"De segunda à sexta :
Valor = 15 reais para todas as faixas.
Finais de semanas:
Valor= 25 reais meia / 30 inteira.
Filmes 2D e 3D:
Dias de semana= 18 reais
Final de semana= 22 reais."

Nem acredito que perdi mais trinta pratas, meu trabalho na cafeteria não estava indo muito bem e nem sei se vou ter dinheiro para pagar o vestido. Aquilo me custou cem reais, fora que o encontro na verdade nem é meu. Poderia estar pagando meia se não estivesse suspensa e minha carteira estudantil confiscada na escola.

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