Descubro um chuveiro que ainda tem água, embora fria. Tomamos um banho juntos, rindo. Depois nos vestimos. Espiamos a avenida. Ninguém.
- Esqueci a porra do livro no seu esconderijo, Lilian! Vou lá pegar, fica aqui.
- Não, vamos juntos. Não quero mais ficar sozinha. Nunca mais.
Ela está determinada e acabo cedendo. Descemos e voltamos à estação do metrô. Ninguém. Sorrateiros, chegamos ao esconderijo dela. Acho o livro. Ela pega algumas roupas. Decido que o melhor era se esconder em algum dos edifícios em ruínas da Avenida Paulista por enquanto.
Porém é tarde. Dois homens enormes estavam à espreita, esperando nosso retorno. Um deles me soca e apago.
Tudo escuro. Tudo dor.
Abro os olhos devagar. Sinto meu rosto inchado. Sinto muita dor. Lilian não está mais lá.
Vejo o livro de capa cor-de-rosa no chão e o pego. Grito por Lilian. Nenhuma resposta.
Saio cambaleante em direção a avenida a tempo de vê-la, nua, acelerando uma moto e vários carros cheios de homens grandes e feios indo atrás dela.
- Lilian!
Caio de joelhos. Como poderei salvá-la? O destino dela estava escrito bizarramente naquele maldito livro. Eu o abro de novo. Meus lábios tremem. Meu corpo formiga. Minha boca fica seca.
- Ah, Lilian... O que eu faço? – Lágrimas brotam de meus olhos.
Abro o livro na página que descreve seu suplício. Com raiva, eu a arranco e a amasso. Olho para trás e vejo três daqueles homens enormes com pés-de-cabra e nunchakus aproximando-se. Raivosos. Olho para frente e outros três, armados e com rostos sádicos, vinham em minha direção. Ameaço correr para a entrada do metrô pouco adiante, porém mais dois emergem de lá. Eu ia ser trucidado.
Ainda ajoelhado começo a rezar. Abro o livro e encontro, estarrecido, descrito naquelas páginas amaldiçoadas, o meu futuro espancamento até a morte.
Arranco a página com raiva, tremendo, e a amasso. E os homens somem. Desaparecem. Evaporam como se nunca tivessem existido.
Ainda incrédulo, fico tonto. Atordoado. Baixo os olhos para o livro. O livro. Esse era o segredo. Vasculho os bolsos e encontro uma caneta. Coloco o livro nas páginas em branco, e, passando a língua por meus lábios ressecados, escrevo que Lilian retorna sã e salva.
E minutos depois ela para a moto ao meu lado. Nua. Maravilhosa. Arfando mas sorrindo. E ouvimos os carros da gang aproximando-se de nós em alta velocidade. Volto a escrever no livro e descrevo uma batida monstruosa entre eles, longe de nós, explodindo e matando todos.
E acontece. Uma labareda imensa sob aos céus nublados. Lilian encara-me completamente surpresa.
Suspiro. Sorrio para ela. Volto a escrever no livro.
Escrevo:
O apocalipse nunca aconteceu na verdade. As armas disparadas desapareceram, a vontade de combater se esvaneceu de todos os corações. Tudo fora um equívoco. Eric e Lilian se conheceram pouco após se formarem na faculdade e ambos têm excelentes empregos atualmente. Vivem juntos e se amam. E terão um futuro brilhante pela frente.
Em um piscar de nossos olhos a Avenida Paulista voltou a ser o que era. Movimentada, cheia de pessoas e carros. Olho para Lilian e ela larga a moto. Nos abraçamos e nos beijamos ali, em plena manhã em São Paulo.
Eu só me esqueci de descrever uma roupa para ela.
Vitor Hugo B. Ribeiro