Capítulo Um

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DIA DA FORMATURA.
Eu mal consigo ficar parada enquanto minha mãe endireita minha túnica comemorativa vermelha, colocando um cacho de cabelo castanho-claro atrás da minha orelha. Finalmente, ela me vira e eu me olho no espelho na parede da nossa sala de estar. Vermelho. Estou usando vermelho. Chega de rosa. Sou adulta. Ver a evidência disso atiça meu estômago.
- Está pronta, Cia? - minha mãe pergunta. Ela também está usando vermelho, apesar de o vestido dela ser feito de um tecido fino que vem ao chão em ondas suaves. Ao lado dela, meu vestido sem mangas e as botas de couro parecem infantis, mas tudo bem. Eu tenho tempo de crescer ao nível do meu status de adulta. Sou nova para isso aos dezesseis anos. De longe, a mais nova na minha classe.
Dou uma última olhada no espelho e torço para que hoje não seja o final da minha formação acadêmica, mas não tenho controle sobre isso. Apenas um sonho de que meu nome seja chamado para o Teste.
Engolindo em seco, assinto. - Podemos ir.
A formatura acontece na praça da colônia entre os estábulos repletos de pães e leite fresco porque a escola não é grande o suficiente para receber todas as pessoas que participarão. A colônia inteira vai participar da formatura, o que apenas faz sentido por todos na colônia serem parentes de pelo menos um dos alunos que chega à idade adulta ou comemora a passagem para o próximo ano escolar. A deste ano é a maior turma de formatura que as Cinco Colônias já tiveram. Oito meninos, seis meninas. Um sinal tangível de que a colônia está prosperando por nós fora da nossa residência, todos vestidos de roxo adulto cerimonial. Zeen, meu irmão mais velho, me lança um sorriso e bagunça meu cabelo. - Está pronta para terminar a escola e cair no mundo real com o resto de nós, manés.
Minha mãe fecha a cara.
Eu rio.
Zeen e meus outros irmãos definitivamente não são manés. Na verdade, as meninas praticamente se jogam sobre eles. Contudo, ao mesmo tempo em que meus irmãos não são imunes à paquera, nenhum deles parece interessado em se amarrar. Estão mais interessados em criar o próximo pé de tomate do que em começar uma familia. Zeen principalmente. Ele é alto, loiro e esperto. Muito esperto. E ainda assim,nunca foi escolhido para o Teste. Esse pensamento tira um pouco do brilho do dia. Talvez seja a primeira regra que eu vá aprender como adulta - que nem sempre você pode conseguir o que quer. Zeen pode ter querido seguir para a universidade - seguir os passos do pai. Ele deve saber como me sinto. Por um momento, desejo poder conversar com ele. Perguntar a ele como superou a decepção que muito provavelmente virá para mim. Nossa colônia já tem sorte só de haver tido um aluno escolhido para o Teste. Faz dez anos desde que o último aluno de Cinco Lagos foi escolhido. Sou boa na escola, mas há outros melhores. Bem melhores. Que chance tenho eu?
Com um sorriso forçado, digo: - Pode apostar. Não posso ficar na escola se planejo comandar a colônia quando vocês todos estiverem casados.
Hart e Win coram. Eles têm dois anos a mais do que eu e a idade de namoro e casamento os faz correr para se esconder. Os dois estão felizes em trabalhar lado a lado na chácara, cultivando as flores e as árvores que o pai criou para resistir à terra deteriorada nos limites da colônia.
- Ninguém vai fazer nada se não nos mexermos - a voz da mãe soa firme enquanto ela desce pela entrada. Meus irmãos e meu pai seguem rapidamente. A falta de perspectivas de casamento para Zeen e Hamin é um ponto delicado para minha mãe.
Por causa do trabalho do pai, nossa casa é mais longe do centro da colônia do que a maioria. Meus irmãos e meu pai fizeram o solo ao redor da nossa casa florescer verde com plantas e árvores, mas a trinta metros da nossa porta da frente, a terra é rachada e quebradiça. Apesar de um pouco de grama e algumas árvores dispersas crescerem. O pai diz que a terra a nosso Oeste é bem pior, motivo pelo qual nossos líderes decidir situar a Colônia Cinco Lagos aqui.
Geralmente, vou de bicicleta para a cidade. Alguns cidadãos têm carros, mas combustível e painéis solares grandes o suficiente para abastecê-los são caros demais para uso diário. Hoje, sigo atrás da minha família enquanto andamos os quase sete quilômetros para a praça da comunidade da colonia. Praça realmente é a palavra errada, mas usamos mesmo assim. Ela tem mais a forma de uma tartaruga com um centro oval e alguns anexos na lateral. Há uma bela fonte no meio que borrifa uma água limpa e borbulhante no ar. A fonte é um luxo, pois água limpa não é sempre fácil de encontrar. No entanto, nos permitem a beleza e o desperdício para honrar o homem que descobriu como remover a contaminação de lagos e lagoas após o Estágio Sete. O que resta dos oceanos é mais difícil de limpar. O solo se torna mais verde e os pássaros cantam quanto mais próximo chegamos ao centro da colônia. Minha mãe não fala muito no caminho. Zeen a provoca dizendo que ela não quer que eu cresça, mas não acho que seja o caso. Ou talvez seja.
Eu e minha mãe nos damos bem, mas nos últimos anos ela tem parecido distante. Menos propensa a me ajudar com a lição de casa. Mais interessada em casar os meninos e conversar sobre onde vou servir de aprendiz quando terminar a escola. Qualquer conversa sobre eu ser escolhida para o Teste não é bem-vinda. Então, converso cada vez menos com ela e mais com meu pai. Ele não muda de assunto quando eu falo sobre prosseguir com minha formação acadêmica, apesar de não me encorajar ativamente. Ele não quer me ver decepcionada, creio eu.
O Sol está forte e o suor escorre pelas minhas costas quando caminhamos pelo último morro acima. O som de música e de risadas sem que possamos ver de onde vem faz com que eu apresse o passo. Pouco antes de chegarmos ao topo, meu pai coloca o braço ao meu redor e pede para que eu espere enquanto os outros vão na frente.
A empolgação do outro lado do morro me puxa, mas fico parada e pergunto: - Há algo errado? - os olhos dele estão cheios de sombras mesmo que seu sorriso seja animado. - Não há nada errado - ele diz. - Eu só queria um momento com minha garotinha antes que as coisas fiquem loucas demais. Tudo vai mudar no minuto em que atravessarmos esse Morro.
- Eu sei.
- Está nervosa?
- Um pouco - empolgação, medo e outras emoções rodopiam dentro de mim, tornando difícil dizer o que estou realmente sentindo. É estranho não saber o que vou fazer quando me levantar amanhã. Q maioria dos meus colegas já fez escolhas sobre o futuro. Eles sabem onde vão ser aprendizes ou se vão se mudar para outra colônia para encontrar trabalho. Alguns até sabem com quem vão se casar. Eu não sei nada disso, apesar de o meu pai ter deixado claro que posso trabalhar com ele e meus irmãos, se eu decidir que é isso que quero. A opção parece no mínimo sem graça, pois não levo o menor jeito com plantas. Da última vez em que ajudei meu pai, quase destruí a plantação de girassóis que ele passou meses cultivando. Conserto coisas mecânicas. Mato plantas.
- Você vai se levantar e encarar o que quer que venha. Vou ter orgulho de você, não importa o que o futuro traga.
- Mesmo que eu não seja aceita no Teste?
- Especialmente se não for aceita no Teste - ele sorri e me cutuca gentilmente na barriga. Quando eu era pequena, isso sempre provocava ataques de riso em mim. Hoje ainda me faz sorrir. É bom saber que algumas coisas nunca mudam, mesmo que eu duvide das palavras provocativas do meu pai.
Ele foi para a Universidade. Foi onde ele aprendeu a modificar geneticamente as plantas e as árvores para sobreviver no solo deteriorando. Ele não fala muito sobre isso nem sobre a colônia em que cresceu, provavelmente porque não quer nos fazer sentir pressionados por seu sucesso; mas eu me sinto.
- Você acha que não vou ser aceita.
Meu pai franzea testa. - Acho que você é mais esperta do que acredita ser. Nunca se sabe quem o comitê de busca vai pegar nem porquê. Cinco de nós da minha série foram selecionados e avaliados. Os outros quatro sempre foram melhores na aula, mas eu fui o único que chegou até a Universidade. O Teste nem sempre é justo, nem sempre é correto.
- Mas você não se arrepende de ter ido. Olhe as coisas impressionantes que você faz diariamente por causa disso - as árvores próximas a nós estão cheias de flores, prometendo maçãs nos próximos meses. Arbustos de amoras silvestres crescem próximos a margaridas e outras plantas que nunca aprendi o nome, mas soube que o pai teve participação no cultivo. Quando eu era pequena, essas coisas não existiam. Pelo menos não as versões saudáveis que pontuam os morros atualmente. Até hoje, eu consigo me lembrar da dor do vazio de ir para a cama com fome. A comida era escassa e o pai trabalhava com os fazendeiros para cultivar as coisas. E conseguiram. Na Colônia Cinco Lagos nós temos o cuidado de não desperdiçar, mas a fome não é mais nossa preocupação principal. E foi meu pai quem fez isso. - Eu não posso me arrepender de algo que não escolhi - seus olhos vão tão longe quanto o canto dos pássaros ao nosso redor. Finalmente ele sorri, apesar de seu olhar não se libertar das lembranças que estão capturando sua atenção. - Além disso, eu não teria me mudado para cá e encontrado sua mãe se não tivesse ido para a Universidade. Então, onde eu estaria? - Provavelmente vivendo em casa com seus pais, fazendo sua mãe se preocupar por que você talvez nunca vá pensar com seriedade sobre seu futuro.
Os olhos dele brilham e as nuvens desaparecem das profundezas enquanto ele bagunça meu cabelo.
- Parece um destino pior do que a morte - e é isso que minha mãe dá a entender toda vez que ela diz a Zeen que está deixando a vida passar. - Vamos. Sua mãe vai soar o alarme se não nos mexermos. Eu só quero que você se lembre de uma coisa. Eu acredito em você, não importa o que aconteça.
De braços dados, subimos o morro para nós juntar às festividades. Eu sorrio, mas bem dentro do coração, me preocupo com a possibilidade de que o pai possa achar que eu nunca vou me comparar às suas conquistas, que vou decepcioná-lo, não importa o que aconteça.

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