Para Kauã
Meu irmão mais velho é do tipo "chato". É raro eu ser visita na casa dele. Bem, a vantagem é que durmo, tomo banho, deito no sofá e abro a geladeira sem que ninguém reclama. A vida, em alguns instantes, impedia de que eu pudesse descer para fazer uma visita e era cobrada. A vida era curta demais para procrastinar. Em uma das poucas vezes que vou em sua casa, meu irmão vem correndo, gritando:-
– Vamos, Pé (meu apelido de criança)! Me ajuda com o lixo porque o "Gum" vai passar!
Olhe estranhamente. Que raio é esse tal "Gum"?
– "Gum"?
– "Gum", Taty! "Gum"! Não conhece o "Gum"? Como não conhece o "Gum"? - para ele, foi um absurdo em não conhecer o "Gum". Será que tem alguma coisa a ver com "Game Of Thrones"? Porque eu acho que era a única na face da terra que nunca assistiu a um episódio dessa série aclamada.
– Conheço "Ogum"...
– Não, Pé. É "Gum". 'Cê vai saber.
Senti-me leiga. Mais por fora do que bumbum de ator pornô. Meu irmão sorriu enquanto recolhia o lixo. Como era assim tão agradável em colocar um lixo para fora? Mas, para ele, era divertido.
De uma coisa era fato: o "Gum" passava de vez em quando em sua rua. Não me entreti no assunto do "Gum" porque com a pressa e agitação natural do meu irmão, deixei a curiosidade de lado, perdido a sua pressa costumeira.
Lixo na rua. Entramos. Sentei no sofá e, em poucos minutos, um barulho. Kauã, meu sobrinho, se sobressalta e começa a gritar:
– "Gum"! "Gum"!
Meu irmão acompanha a serelepisse do pequeno e fica tão serelepe quanto, porque é difícil distinguir quem era mais molecão: meu sobrinho ou meu irmão.
-Alá, Kauã! O "Gum"! O "Gum"! - e minha cunhada arregalava os olhos, toda feliz pela vinda do tal "Gum". A vinda de Cristo não era tão importante.
Bem, acho que entendi.
Meu irmão pega o meu sobrinho no colo e sai para a rua. Minha cunhada, a avó e a tia (sogra e cunhada do meu irmão) acompanham, assim como meu irmão, a mesma empolgação do danado. Lá vem o Gum!!!
Três homens de laranja aparecem dobrando a esquina, em um tempo um bocado frio. De repente, dobra a esquina, um monstro de algumas toneladas com seu estrondoso barulho:
– GUUUUUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMM...
Os lixeiros saúdam meu sobrinho. Retiram as luvas e o cumprimenta.
– E aí, amiguinho?
O motorista acena de uma forma calorosa. Kauã entra em pleno extase e aquilo me soa divertido. Enquanto o "Gum" não virasse a outra esquina, Kauã não entraria em casa, assim diria meu irmão.
– Então quer dizer que o "Gum" é um caminhão de lixo? – pergunto ao meu irmão.
– Não. – meu irmão me responde sorrindo – É o "Gum".
Sorri. De um instante, entendi a mensagem do meu irmão. É o "Gum" e não tenho motivos para discordar.
Três anos se passam e meu sobrinho ainda fica na rua esperando o "Gum", mas com os lixeiros cumprimentando-o pelo nome.
– E ae, Kauã?
E quando um não aparece, Kauã reclama.
– Está faltando um amiguinho!
Depois de conhecer o "Gum", vou para casa e começo a recolher os lixos. Passo ao lado da janela vizinha, vejo minha tinha sentada no sofá e grito:
– CORRE, TIA! CORRE! PEGA O LIXO QUE O "GUM" TÁ PASSANDO!Ela entende bulhufas.
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Da Vida: Crônicas Que O Dia a Dia Pode Ajudar
Ficção GeralEscrever uma crônica me foi um desafio e, dali, me desembestei. E cá vou escrevendo, aos poucos, o que posso passar e colocar tudo num papel. Do jeito como a crônica deve ser: rápido e prático.