O grande dia

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Não sei quando tudo começou, mas arrisco que foi quando eu vi um vídeo na internet e senti sensações que nunca imaginei que existiam, sabia que se fosse a fundo ali, poderia me encontrar de alguma forma. É hoje, está decidido! - Hoje eu invado o necrotério, vou lá, meu reino por duas horas ali dentro. - Não tenho nada a perder nessa vida, a única coisa que ganhei em 28 anos foi a chance de desperdiçar todo tipo de oportunidade que eu ganhei, dessa vez não vai ser assim.

Só me resta esperar a noite. Vou ouvir qualquer coisa que acalme minha ansiedade ou me faça conseguir deixar o plano em delay na minha mente, mas é impossível não deixar ele como centro do meu dia, da minha vida. Penso o que acontecerá se me pegarem. Meus pais nunca aceitariam isso, acho que eles nunca nem ouviram falar nisso, não consigo me importar com esse risco. A vida é minha, porra.

Certo, já tomei banho e já fiz o mapa mental, acho que consigo entrar lá, não deve ter mistério, não é possível. Ninguém cuida daquilo ali, ainda bem que não tem guarda... ou tem? Deve ter, eu já sabia dessa possibilidade, não sei porque minha mente está pensando nisso novamente. Droga, calma! Contando os passos andando pra lá 1, 2, 3, 4, 5, 6 (...) primeiro a direita, depois a esquerda. Não pise em linhas. Cheguei. Certo, tudo como eu imaginava, portão que faz barulho, sujeira e nenhuma iluminação.

Ninguém se importa com mortos. Mas eu sim, de alguma forma... ou não. Depende do ponto de vista, eu fazer uso desses corpos pra algo depois que a sociedade diz que estão inúteis faz eu me importar, mas não respeitá-los e violar seus corpos não é se importar. Tanto faz, eu não quero pensar sobre isso agora. Andando, andando. Nada por aqui, uma porta já foi, agora por onde é? Eu deveria ter feito como nos filmes e vir no lugar antes do ataque, saber os pontos vitais do lugar. Foda-se.

Tem que ser planejado até pra fazer coisa errada... Errada pra mim? Pra quem? Não importa, para, porra, para de entrar em conflito. Não tem nada de errado em fazer isso. Imagina que tu nasceu em uma sociedade sem nenhuma regra e não tem valores e nem referências pra saber se o que tu vai fazer é certo, eu acharia isso errado ainda? Eu não sei. Estou aqui. Nossa, eu realmente estou aqui, não acredito. Todos esses corpos gelados e eu, eu estou aqui! - Olha essa pele, olha os cabelos... Sim, é tudo meu, por hora, é meu. - Todas essas pessoas foram de alguém um dia ou sei lá na ideia de amor que eles acreditam, vai que não são monogâmicos, vai que são, não sei. Abri o plástico de exatamente quatro corpos, comecei o que tanto esperei, esse momento foi recebido com faixas de boas vindas pela minha cabeça em minhas memórias recentes. Eu prestava atenção em tudo! Tudo, não queria perder nada, olhei cada posição de mão fixamente, a fim de não esquecer como era meu corpo em contato com outro, por fim, acabei.

Nem acreditei quando vi aqueles cabelos feitos como eu bem entendesse! Sem clientes para dizer que querem esses cortes modernos, eram todos clássicos, ao meu modo, como deveria ser. Não consigo aceitar que os cabeleireiros tenham aderido a todos esses cortes espalhafatosos e ridículos. Era tudo como eu sempre sonhei, não me sentia mais um cabeleireiro frustrado em busca de algum reconhecimento. Eles eram minha platéia, eles aprovaram.

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