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   A t-shirt branca mal tapava o meu rabo e começava a sentir-me realmente desconfortável. O sofá por mais macio e almofadado que fosse também não ajudava. Em toda aquela divisão, seria tarefa difícil entender palavra alguma. O barulho era tanto. Ora escapava por entre os lábios de alguém, ora era bombardeado pelas colunas. Os corpos amontoavam-se e dançavam de forma aleatória consoante o ritmo ou a batida da música. Já nem sabia a quantas ia. A bebida era tanta, o tabaco era mais do que o normal e já nem sabia se ali pelo meio havia algum componente secreto ou uma mistura esquisita. Droga, provavelmente.

   O meu olhar passou pelos outros sofás. Um rapaz e uma rapariga completamente desconhecidos beijavam-se, distribuindo apalpões por tudo o que fosse extensão de corpo. A roupa era pouca ou talvez nenhuma. No outro sofá um rapaz bebia as suas mágoas, tentando afogar dentro de si tudo o que havia feito de não tão simpático ou gracioso na sua vida. Levantei-me equilibrando o meu peso sobre as minhas pernas. A minha visão começava a ficar turva por vezes. Senti um leve toque no meu rabo mal passei por entre umas quantas pessoas. Um esfregão aqui, um apalpão ali. As pessoas ansiavam por um toque e esta era a única maneira de o obterem. Precisava de ar. Precisava de respirar. Mas há já um tempo que me era difícil respirar. O ar ficava preso nos meus pulmões pedindo para lá se alojar, mas os mesmos não o queriam.

   Porque faço tudo errado? Porque me meti onde não devia? Porque não consigo sair deste beco?

   A vida é feita de escolhas erradas... Tudo neste mundo me parece ser errado...

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   O tempo é indefinido. Para nós um segundo pode ser maior que uma hora ou um ano pode ser menor que um dia. Depende do que acontece, quem está por perto. Tempo é só tempo até alguém para te mostrar que o tempo e a tua vida são valiosos. Talvez o meu problema fosse não ter ninguém. Talvez se não tivesse afastado todos não me sentisse assim. Segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, e vidas. Tudo é feito de tempo.

   E havia já um bom tempo que a minha vida não fazia sentido. Um simples bater de porta doía. Um simples grito corroía-me. Ouvir o meu próprio nome partia-me, rasgava-me, endoidecia-me. A minha progenitora tinha o hábito de dizer que tudo passaria. "Com o tempo tudo se apaga." , "É só uma questão de tempo." , "tempo, tempo, tempo". Tudo envolvia tempo. Eu queria desaparecer, deixar de ter tempo, deixar de ser tempo, fugir e não mais voltar. Eu não passava de mais um peixe no mundo. Mas eu era um peixe com uma enorme vontade de me afogar no próprio oceano, quão irónico é... Quando tinha 6 anos tudo o que queria saber era se o pai voltaria a casa cedo, para jogarmos ou se a mãe cozinharia o melhor combinado de sempre. Com 22 anos quero tudo o que nunca quis. Uma vida fora deste mundo.

   A música, se é assim que chamam a uma mistura de sons repetitivos , tocava e entrava na minha cabeça e juntamente com o álcool queimavam um a um os meus neurónios. Fechei os olhos e imaginei a menina de cabelos e olhos castanhos que outrora fora. Aquela que ria por tudo e por nada. Aquela que eu não voltaria a ser.

   O meu corpo foi levado pelos imensos corpos dançantes que se balouçavam ritmicamente. Os meus lábios foram molhados pelo ácido sabor da bebida nas minhas mãos. Precisava de algo mais forte. Algo que me fizesse esquecer. Algo que me levasse para o meio do nada. Os meus olhos abriram-se e os meus pés moveram-se até ao bar. O rapaz do outro lado do balcão era um autêntico pedaço de céu, uma tentação carnal.

   - Quero algo forte. O mais forte que tiveres. - Pedi olhando o loiro esculpido. - E também te quero a ti. - Ele riu-se pegando num copo vazio e despejando no mesmo o conteúdo de umas das imensas garrafas.

   - Acho que vais ter de esperar docinho. O meu turno só acaba daqui a pouco menos de uma hora. - O rapaz piscou o olho mostrando o brilho dos seus dentes.

   - Desculpa pecado mortal, mas os meus desejos não esperam assim tanto. - Falei por cima do som e tomei todo o conteúdo do copo. Como aquilo era forte...Merda! Queimou toda a minha garganta e juro que senti o líquido chegar ao meu estômago. - Quero mais uma por favor.

   O rapaz entregou-me outro copo, que eu levei comigo após o mesmo ter dito que as bebidas eram por sua conta. Andei bêbeda e desajeitadamente para a rua, sentando-me sobre um banco de pedra e voltando a tomar o líquido. A sensação calorosa da bebida foi sentida em todo o meu corpo pela segunda vez. 

   Os meus olhos fecharam-se, os meus punhos cerram-se, esmagando o copo de plástico, os meus músculos flectiram-se e o meu coração parou por instantes. Um aperto surgiu e o ar foi trancado em todos os compartimentos do meu sistema respiratório. 'Finalmente tens o que querias.', pensei abrindo os olhos. O meu tronco caiu sobre o banco e aí me afundei, no escuro da noite, sozinha numa rua fria. Senti-me morrer.


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⏰ Última atualização: Sep 13, 2015 ⏰

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