Ela estava lá. Atrás do enorme portão com brechas que davam para ver quase tudo o que acontecia. Virada de costas conversando com uma senhora, não bem uma senhora, acho que... pelas feições deveria ser mais jovem, porém, com a aparência piorada desgastada pelo tempo ou por algum produto químico. Ela não parecia pior, nem melhor, era a mesma Britney de sempre com aquela roupinha chique recatada e quase sem maquiagem. Mas eu vi. Eu vi o pânico estampado nos olhos dela, atordoada, olhos esganiçados, expressão imóvel. Quem será aquela miserável que a deixa assim? Britney parece ter ligação nenhuma com ela. Atrás deste vidro de carro onde estou, nenhuma delas pode me ver. Pior do que estou, eu posso piorar. Não sei mais o limite do real e o irreal. Uma energia terrível me assombra desde que ouvi o nome dela pela primeira vez, uma sensação gélida como se uma sombra estivesse pairado sobre mim. Aquela vontade insaciável de saber mais e mais sobre a vida dela. Parece que eu duvído da bondade dela, ela parece carregar outro tipo de energia dentro dela, ela emana o vazio, o nada. E essa toda história de menina boazinha é balela para esconder algo que ela não quer que ninguém veja. Algo bem obscuro, sobrenatural. Britney é sobrenatural. É isso que transmite.
Vejo lágrimas escorrerem pela face avermelhada dela ainda olhando assustada a jovem senhora. Temível. Não suporto vê-la chorar, é como se o mundo não quisesse pagar para ver pelo o que está por vir. Britney sempre me passou a sensação impotente. O terror se espalha pela ponta de meus dedos. Tremendo, num impulso puxo a alavanca da porta do carro e o barulho fez com que ambas olhassem na direção do meu carro. Respiro e saio do veículo. Com passos lentos vou até elas que ficam imóveis e em silêncio até eu chegar. Britney percebe minha presença e fala em em tom baixo e morto:
-Vá embora.
-Britney, eu só quero saber se está tudo bem com você. - Retruquei.
A senhora me encara com uma expressão feia e diz:
-Ouviu a moça. Vá embora. - E vira-se para ela.
-A Britney não me parece bem. Precisa de alguma coisa? - Insisto.
Ela abre a boca, mas é interrompida pela outra.
-Não devemos nos meter onde não somos chamados. Não seja mal educado.
-Vá pra casa. - Diz Britney usando um tom de voz mais sereno e olhando em meus olhos.
-Não! Eu preciso saber o que está acontecendo com você. Sempre foi uma menina boa e ontem a vi diferente correndo pela noite e desapareceu, sumiu, sei lá, o que houve, o que está havendo? - Desabafei.
-Ele viu. - Disse a senhora olhando para Britney.
-Vi o que? - Disse preocupado.
-Não. Por favor, Mafalda. - Britney sussurra quase chorando.
-Eu avisei. - Diz a senhora usando um tom desconhecido. - Agora terá que pagar.
-Pagar o que? Senhora? - Falei meio nervoso.
- Dívidas de Britney comigo.
-Como assim?
-Dívidas espirituais. - Mafalda responde e depois muda a expressão - Agora dê o fora e finja que o que você viu nunca foi visto na sua vidinha. Ou sofrerá consequencias.
Lentamente dei às costas e sai. Foi duro deixar Britney chorando, sofrendo em silêncio escondida. Não pude resistir. O medo me tomou conta. Deixei-as para trás e entrei no carro. Mas eu sou um canalha mesmo. Um canalha.
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O Mistério da Garota da Esquina
Short StoryUm pequeno conto. Ano novo, vida nova. Um mundo cada vez mais cheios de jovens rebeldes, preguiçosos e irresponsáveis, mas o que fez Britney existir? Uma fada? Ó não, fadas não exitem. Eu tô falando assim porque Britney é toda certinha, em todos os...