Capítulo Um

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LÁ SE FOI MAIS UMA. SEGUIU MAJESTOSA, ALTIVA EM SUA indignação. O tapa ainda ardia. Não de forma que realmente incomodasse.

Não foi a primeira a me xingar, nem a me bater. Mulheres tendem a exage-rar os sentimentos, normal.

Sempre fui cobrada pelo que não prometi. Era sexo, nada mais. Esse "nada mais", sempre explicado bem claramente.

Não que eu fosse perder o meu tempo. Era mais uma daquelas que só escu-tavam o que queriam. Mais uma que achava que na sinceridade fria das minhas palavras existia algum tipo de código ou subtexto que dizia exatamente o con-trário. Ou talvez aquele tipo que pensava que poderia me fazer mudar de ideia.

Sabia muito bem o que queria, e definitivamente, não era um relacionamento.

Dei de ombros e até achei graça de toda aquela repetição. Mais ainda, por saber que o showzinho teria como resultado o olhar interessado das mulheres em volta, presas naquele tipo de atração incontrolável por tudo aquilo que não presta.

Escutei meus amigos me provocarem. Não liguei. Acostumada a não ceder mais a nenhum tipo de instigação deles. Principalmente as regadas pelo álcool.

O primeiro a falar foi Théo: — E essa foi a número...?

Dei de ombros novamente: — Não estou contando.

Gui puxou um papelzinho do bolso e respondeu: — Ah, mas eu estou... Trezentas e vinte e seis!

Não estava se referindo ao número de bofetadas que havia levado, obvia-mente. Apesar de também terem sido muitas, a contagem no caso era do núme-ro de mulheres que levei para a cama.

O começo daquilo?

O filme Quatro Casamentos e Um Funeral.

Inspirados pela cena na qual Andie MacDowell conta para um Hugh Grant chocado os trinta e três homens com quem havia se relacionado sexualmente, inclusive ele.

Desde então, começamos a contar também. Uma pequena e inocente competição entre amigos.

Na época, minha única experiência me fazia estar em último lugar, perdendo vergonhosamente. Como minha posição no ranking mudou? Facílimo. Bastou entender que o excesso de sentimentos prejudica a pontuação, para rapidamen-te passar de quarto ao primeiro lugar.

Ridículo, infantil, a maior besteira. Brincadeira que, por mim, havia termina-do há muito tempo.

Porém, quase treze anos depois, Gui continuava obcecado com aquilo. Con-tava e anotava, num papelzinho que trazia sempre com ele. Inspirado em O Amor nos Tempos de Cólera, talvez. Passava os rascunhos a limpo num caderno de capa preta que deixava em casa, guardado como um tesouro.

Ou segredo.

Igor engasgou com a cerveja. Tossiu, e só conseguiu exclamar: — Trezentas e vinte e seis?!

Théo completou com um misto de admiração e inveja: — Cara, como você consegue?

Foi Gui quem respondeu: — Não é tanto, pensa: se for uma por semana, são quatro por mês. Quarenta e oito em um ano... Em mais de doze anos sem nunca ter namorado ninguém — e é só por isso que estamos atrás — quinhen-tas e setenta e seis. Na verdade, Vic, você tá devendo! Corra atrás do prejuízo, baby!

— Vai à merda!

Que mais poderia dizer?

Completei: — Corram atrás do prejuízo, vocês.

Igor me olhou estranhamente. Não com inveja, nem despeito, mas sim com algo muito parecido com pena: — Tantas mulheres, Vic... Alguma que você se lembre?

O Livro Secreto das Mentiras & MedosOnde histórias criam vida. Descubra agora