Menino do rio (Niam)

Maluco Beleza

Liam aprendeu a surfar bem pequenininho. Diziam seus pais que andar e surfar foram habilidades que ele adquiriu ao mesmo tempo e antes de tudo isso já sabia nadar como ninguém. Um natural exagero, afinal, que pai não considera seu filho um prodígio?

Ainda bem novo participou de competições de surfe ao redor do mundo, porém nunca fora competitivo. Vencer não era o mais importante, mas desafiar a si mesmo, adquirir novas habilidades e conhecer gente, sim. Fazia por diversão e amor ao esporte, muitas vezes em caso de vitória, ele dividiu o pódio com seus oponentes e se o prêmio em dinheiro fosse essencial para um deles, Liam entregava para quem precisasse sem pestanejar. Dinheiro nunca foi problema para ele e sua família.

Em sua certidão constava que ele era um cidadão inglês, mas na verdade Liam nasceu no mar de Kerala, ao sul da Índia, quando seus pais estiveram pelo país à trabalho juntamente com um grupo de pesquisadores que gravavam um documentário para a BBC.

Tanto ele quanto suas irmãs nasceram da mesma forma. Seus pais, biólogos marinhos e naturalistas, queriam que seus filhos viessem ao mundo de forma natural, bela e poética. Eram três, duas meninas e um menino. Cada qual nasceu em um mar de um canto diferente desse mundo tão grande. Tinham o inglês como a lingua-mãe, porém falavam um punhado de outros idiomas e dialetos.

Nem com o nascimento de um novo filho a família Payne sossegava em um canto. Viajavam por todo o mundo fazendo pesquisas, projetos de preservação ambiental e gravando de documentários para as mais diversas produções e levavam sempre os filhos consigo. O trabalho nunca acabava, quando encerravam um projeto iniciavam outro e assim por diante.

Antes dos dezoito anos, ele já tinha conhecido os sete mares, quatro oceanos e cinco continentes. Quando menino nadou com golfinhos, abraçou pinguins no Ártico, ele brincou de imitar o jeito que focas e leões marinhos andavam vendo-as bem de perto, tocou na enorme barbatana de baleias azuis vestindo uma roupa de mergulho, viu quantas cores um recife de corais pode ter, conheceu incontáveis espécies marinhas, aprendeu a falar anêmona sem dar um nó na língua, viu os filhotes de tartaruga marinha eclodirem de seus ovos em direção ao mar e presenciou a magia da aurora boreal.

Naturalmente, um menino de família incomum não poderia ter uma educação comum. Poucas vezes ele ou suas irmãs pisaram em uma escola convencional. Por viajarem muito, não era possível fixar em uma instituição por muito tempo e eles tinham dificuldades para assimilar o conteúdo da forma que era ensinado, embora se saíssem muito bem no convívio com outras crianças. Aderidos a desescolarização, os pais de Liam ensinavam seus filhos de forma livre e autônoma, sem escolas, sem provas nem a cobrança de resultados. Eles tinham acesso a todo tipo de conhecimento, mas só se empenhavam naquilo que fosse de seu real interesse, respeitando o tempo de cada um.

Quando cresceram, Nicola se formou em Astrofísica nos Estados Unidos e Ruth em Filosofia na França. Liam ficou com o que aprendeu durante toda sua vida com os pais e tornou-se ativista ambiental. Em meio a toda beleza que viu, ele também presenciou as mais tristes e revoltantes cenas. Desmatamentos, contaminação de águas, devastação de ecossistemas inteiros, extermínio de animais pela caça irresponsável, pela ganância ou por questão cultural questionável. Como nunca fechou os olhos para tais fatos - por mais cansativo que fosse - nada mais justo que Liam seguisse os passos de seus pais quando chegou a idade certa.

Mas foi só chegar ao Brasil junto com seus pais e um grupo de ambientalistas que sua vida mudou drasticamente e até suas ondas preferidas tornaram-se outras.

Ele já conhecia as ondas que se formam no encontro dos rios com os mares, mas nunca os tinha visto de perto. Os olhos brilharam quando viu a maior delas e um grande contingente de surfistas deslizando sobre a onda que parecia não ter fim nas águas turvas do rio Araguari. Alguém chegou perto do jovem recém chegado ao país e disse: