Imagine que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a
notícia de que o presidente da República havia fugido para Austrália,
sob a proteção de aviões da Força Aérea dos Estados Unidos. Com
ele, teriam partido, sem aviso prévio, todos os ministros, os
integrantes dos tribunais superiores de Justiça, os deputados e
senadores e alguns dos maiores líderes empresariais. E mais: a esta
altura, tropas da Argentina já estariam marchando sobre Uberlândia,
no Triângulo Mineiro, a caminho de Brasília. Abandonado pelo
governo e todos os seus dirigentes, o Brasil estaria à mercê dos
invasores, dispostos a saquear toda e qualquer propriedade que
encontrassem pela frente e assume o controle do país por tempo
indeterminado.
Provavelmente, a primeira sensação dos brasileiros diante de
uma notícia tão inesperada seria de desamparo e de traição. Depois,
de medo e revolta.
E foi assim que os portugueses reagiram na manhã de 29 de
novembro de 1807, quando circulou a informação de que a rainha, o
príncipe regente e toda a corte estavam fugindo para o Brasil sob a
proteção da Marinha britânica. Nunca algo semelhante tinha
acontecido na história de qualquer outro país europeu. Em tempos
de guerra, reis e rainhas haviam sido destronados ou obrigados a se
refugiar em territórios alheios, mas nenhum deles tinha ido tão longe ponto de cruzar um oceano para viver e reinar do outro lado do
mundo. Embora os europeus dominassem colônias imensas em
diversos continentes, até aquele momento nenhum rei
havia colocado os pés em seus territórios ultramarinos para uma
simples visita - muito menos para ali morar e governar. Era,
portanto, um acontecimento sem precedentes tanto para os
portugueses, que se achavam na condição de órfãos de sua
monarquia da noite para o dia, como para os brasileiros, habituados
até então a ser tratados como uma simples colônia extrativista de
Portugal.
No caso dos portugueses, além da surpresa da notícia, havia
um fator que agravava a sensação de abandono. Duzentos anos
atrás, a noção de Estado, governo e identidade nacional era bem
diferente da que se tem hoje. Ainda não existia em Portugal a idéia
de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido - o
princípio fundamental da democracia. No Brasil de hoje, se, por uma
circunstância inesperada, todos os governantes fugissem do país, o
povo ainda teria a prerrogativa de se reunir e eleger um novo
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1808
Non-FictionComo uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil.