O começo do século XIX foi um tempo de pesadelos e sobressaltos
para reis e rainhas. Dois deles enlouqueceram. Na Inglaterra, o rei
George III era visto de camisolas nos corredores do palácio, com a
cabeça envolvida numa fronha e um travesseiro nos braços enrolado
na forma de um bebê recém-nascido, que afirmava ser um príncipe
chamado Octavius. Em Portugal, a rainha Maria I era perseguida por
demônios. Seus gritos de terror ecoavam nas madrugadas frias e
enevoadas do Palácio de Queluz. Nos seus acessos de loucura, dizia
ver a imagem do pai, D. José I, morto em 1777, como "uma massa
calcinada de cinzas, sobre um pedestal de ferro derretido, negro e
horrível, que uma legião fantasmagórica tentava derrubar", segundo
a descrição de um de seus ministros, o marquês de Angeja.
Há duas explicações para comportamentos tão bizarros. A
primeira, mais óbvia, é a de que os dois soberanos sofriam de
transtornos mentais cuja natureza até hoje médicos e cientistas
tentam decifrar. Pesquisas recentes sugerem que ambos fossem
vítimas de um mal chamado porfíria variegata, doença hereditária de
sintomas semelhantes aos da esquizofrenia e da psicose maníaco-
depressiva, atualmente conhecida como transtorno bipolar do
humor. As descrições do comportamento dos dois soberanos se
encaixam nesse diagnóstico. Os sessenta anos em que George III reinou na Inglaterra
foram entrecortados por surtos psicóticos. Num deles, passou 72
horas acordado, sessenta das quais falou sem parar. Em outra
ocasião, reuniu a corte para anunciar ter concebido uma nova
doutrina da trindade divina, composta segundo ele por Deus, seu
médico particular e a condessa de Penbroke, dama de honra de sua
mulher, a rainha Charlotte. "Nosso rei está louco", declarou o médico
Richard Warren, em 1788. Nos estágios finais de sua doença, George
III foi entregue aos cuidados do médico e padre Francis Willis, que o
submeteu a um tratamento de choque com o uso de camisa-de-força
e uma cadeira para imobilizá-lo nos seus acessos de loucura.
Formado pela Universidade de Oxford e pioneiro em uma
ciência até então desconhecida - a Psiquiatria -, Willis também foi
chamado a Portugal, em 1792, para cuidar de D. Maria I, mediante o
pagamento de honorários no valor de 20000 libras esterlinas - o
equivalente hoje a 1,1 milhão de libras ou 4 milhões de reais. Tudo
em vão. George III passou os últimos anos de sua vida prisioneiro
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1808
Non-FictionComo uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil.