Hugo despertou naquela manhã de um jeito totalmente diferente. Demorou um pouco para dormir (pensou que o som emitido por uma coruja da proximidade fosse um alarme anti-roubo de carros e também pensou que havia um ladrão forçando a janela, quando a vaca Formosa apoiou-se nela, pois ela gostava de dormir com a cabeça apoiada no peitoril), mas depois das explicações de Zeca dormiu de vez. Em vez de despertar com o trânsito maldito das metrópoles, com o sol sempre escondido pelas nuvens de fumaça, acordou com o barulho dos pássaros que logo de manhã começam a trinar, com o barulho das galinhas vindo do galinheiro e com o galo que toda manhã cantava, umas vezes em cima das bananeiras, outras em cima da cerca.
Abriu os olhos e olhou para a janela de ferro, que estava fechada por dentro com cadeado. A luz do sol amarelo passava pelos seus vãos, lembrou-se de que o sol deixou de ser amarelo devido à poluição. Levantou-se e resolveu ir tomar café.
Encontrou Zeca já de pé, e espantou-se de achar o primo já acordado.
- Levantou cedo hoje? Perguntou Hugo.
- Hoje eu acordei cas galinha. Aqui no sítio nóis num é di acordá tarde.
Só de ouvir falar em acordar cedo, Hugo tinha um troço. Ao chegarem, na noite passada, ainda assistiram à televisão durante um tempo (o sítio tinha a caixa de doideiras), e ele tinha acordado cedo por causa do galo. Cidade enfraquece, matutava Hugo. Na roça, além de dormir tarde, ainda acordam cedo e trabalham o dia inteiro em um monte de coisas.
A varanda da casa onde ficava a cozinha se abria diretamente para o quintal, um quadrado delimitado por enormes eucaliptos ao longe. No fundo deste quintal, estava situada uma horta onde eram cultivados alface, cenoura, rabanete, salsinha e mandioca, em grandes canteiros, separados por uma estreito caminho excelentemente carpido por enxadas fortes.
Zeca e Hugo estavam tomando café quando Zeca disse que Chico os chamara, pois tinha algumas notícias quentes. Estavam os dois curiosos para conhecê-las.
Foram até o sítio onde Chico morava. Atravessaram o roçado e pularam a cerca que delimitava os sítios. Já encontraram Chico debaixo da copa de uma goiabeira, sentado na sombra, descansando no mato.
- Quar qui é a notícia qui ocê falô pra nóis- perguntou Zeca para Chico.
- Tá todo mundo comentando. Depois do raio que caiu ontem na praça, vão construir uma igreja nova. O prefeito prometeu um bom cascalho por dia para quem ajudar na construção.
- Oba! Intão nóis pode i tudu lá i ganhá uns trocado.
- Só que o padre avisou que a igreja tem que estar pronta até o dia de Corpus Christi, porque o bispo vem aqui.
- Mai donde qui vão fazê a igreja nova?
- Lá onde ela tá. Vão construir à partir da velha.
Agora a coisa complicava. O dia de Corpus Christi estava muito perto, e não se conclui uma construção da noite para o dia. Se fossem até lá, na certa iam trabalhar dia e noite.
Estavam os três debaixo da goiabeira, quando Zé chegou. Veio correndo, pulou a cerca e caiu de cara com a grama debaixo da goiabeira.
- Oceis sabia qui o Gringo co Jamanta robaro pão da padaria do Inocêncio?
- Não- responderam todos.
- Mai oceis tudu tinha qui tê visto. Eles dois falaro qui o Inocêncio num presta atenção im ninhum qui entra lá.
O Zé era realmente lerdo. Todos falavam da igreja em construção, enquanto ele vinha e falava de uma coisa sem importância. De que importava se Gringo e Jamanta (calma, você ainda vai conhecê-lo) tinham roubado o pão da padaria? É certo que os dois não valiam nada, que Inocêncio era muito distraído, mas nada se encaixava com o assunto atual.
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Admirável Rio Comprido
RomanceComo se chega a Rio Comprido? É perto de onde? Qual o seu ponto de referência? Tem placa na estrada? Nessa história simples, de um povo humilde do qual eu e você fazemos parte, que pode se passar tanto em outro país ou planeta quanto no bairro vizi...