O Cinza

O Cinza é filho de Preto e Branco

Cresceu sem saber qual caminho seguir 

O do pai ou o da mãe

Por isso ficou assim

Sem certezas

Sem coragem

Sem rumo

Sua constância entediava até o passar do tempo

Que via nele a vontade de mudar

Mas esta num estante era dilacerada 

Pelas garras afiadas do medo

Que penetravam lá dentro

Em seu interior

Oco

De criança possou pela adolescência e agora é adulto

Mas o tempo só fez piorar o que já era um caos

Suas ambições e desejos

Que eram quase invisíveis

Agora são inexistentes

Mas então o que motivava

A sua estadia na vida?

A esperança incerta de um virada repentina

Orquestrada pelo acaso

Era seu combustível

Mas que ia se esgotando

Com o passar

De falsas vitórias

Até se esvasiar completamente

Adulto e sem combustível para continuar

O Cinza resolveu sair de casa

Para buscar um lugar

Onde pudesse descansar suas mágoas

Um lugar longe de tudo

E principalmente

De todos

Foi quando o Cinza apareceu a mim

Estava em busca de um apartamento

E viu meu anúncio no jornal

Com as características

Segundo ele

Perfeitas

Apartamento de um cômodo

Completamente escuro

Em vizinhança sem nenhum vizinho

Com móveis feitos de vento

Piso de areia

E um lago particular

Com cisnes negros

Certamente um ótimo imóvel

Cinza assinou o contrato e se tornou meu inquilino

Faz um ano e alguns meses

Nunca me pertubou

Nunca atrasou a mensalidade

Nunca se queixou de nada

Nunca fez nada

Apesar de se mostrar um ótimo inquilino

Depois de um tempo

Alugar o meu apartamento para ele

Não me pareceu uma boa ideia

A sua serenidade

E passividade

Me enlouqueciam

Já tentei tirá-lo de lá

Mas suas raízes

Cresceram muito

No chão de areia

Me parece que o Cinza nunca mais sairá daquele lugar

Mas é muito estranho

Saber que onde ele está agora

É minha propriedade

Mas então porque não consigo tirar

Aquela coisa

De lá?

Nunca mais alugo o meu coração