Capítulo Único - Distrito dos Ossos

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Distrito dos Ossos

Caio dirigia sem pressa naquele final de tarde, observando os pedestres indo e vindo nas calçadas. Sempre perguntava a si mesmo, se algum daqueles desconhecidos tinha noites como as suas. Noites em que o propósito não era descansar para rotina da próxima manhã. Mas sim, lutar pela vida de seus companheiros de equipe e pelos indefesos dormentes, espalhados pela Cidade Silenciosa.

Minutos mais tarde, chegou em casa. A bagunça continuava a mesma, como se um redemoinho feroz varrera tudo ali dentro. Roupas jogadas, sapatos pendurados em ângulos desconexos e, na cozinha, uma tortuosa "Torre de Babel" erguia-se na pia, parecendo que iria despencar a qualquer momento. Talvez na REDE, seu lar fosse representado da mesma forma que no mundo real. Ele riu com a possibilidade.

O jovem tomou um banho, lavou a louça, depois preparou algumas panquecas e um molho picante para recheá-las. Após fartar-se com a comida, pegou um refrigerante e foi para o cômodo ao lado, seu quarto.

A quitinete em que morava não era nada espaçosa. Até cogitara mudar de residência, recentemente, mas só de imaginar a "trabalheira" de organizar uma moradia maior, já desistia da ideia. Estava de bem com sua desordem. Pelo menos ali conseguia encontrar tudo, sem dificuldade, ou não, nem sempre.

Retirou o entulho de cima de sua cadeira, incluindo roupas e sapatos, e jogou tudo na cama. Ligou seu notebook e conectou o dispositivo de interface na porta USB. Sentou-se e acessou o chat pessoal de sua equipe. Vendo, em seguida, as quatro metades dos rostos, os quais ele conhecera há alguns meses.

— Olha só! Nosso operador chegou! Caio, como foi o lanchinho? — esganiçou Rodrigo, um rapaz de pele morena e lábios carnudos, no canto superior esquerdo da tela.

— Bom. — Ele fez uma pausa. — Como sabe que eu estava comendo?

— Fora o prato na mesa? O refrigerante ao lado? E o amarelo do seu dente? — perguntou Rodrigo, em seu tom sarcástico rotineiro.

Caio, subitamente, olhou ao redor. Às vezes esquecia que estava na mira de uma webcam e que toda sua organização, ou falta dela, estava à mostra para toda a equipe ver.

— Precisa consultar um nutricionista, Cai. Nunca vi uma salada naquela mesa — disse uma jovem de cabelos loiros e lábios rosados, em outra janela do monitor.

— Vocês podiam parar com o papo furado e se concentrarem na noite que teremos hoje — pediu, com seriedade, a terceira pessoa do chat. Um homem negro de ombros largos e voz grave.

— Tio Sam fica uma hora em silêncio, mas no fim sempre acaba interrompendo nossos assuntos. Me pergunto o porquê de tanto mau humor! — reclamou Rodrigo.

— Não tem nada a ver com humor. A verdade é que eu pareço ser o único, aqui, que não vê a REDE como um videogame — frisou Samuel, seriamente. — Caio, o que temos para hoje?

— Eu recebi um e-mail há alguns minutos. Teremos que fazer a manutenção de um ponto de descida abandonado. Mais especificamente, identificar uma anomalia sistêmica e resolver o problema.

— "Ponto de descida abandonado", não entendi!? — disse Sophia, a jovem loira.

— A equipe responsável pelo local não existe mais — explicou o Operador.

A jovem levou as mãos à boca.

— Nossa! E se for mal assombrado? — perguntou ela, sarcasticamente. Enrolando uma mecha de seu cabelo em seguida.

— Toda a REDE é mau assombrada, Sophia. Espero vocês no QG — disse Samuel, se desconectando do chat.

— Ele podia ser menos ranzinza... — murmurou Rodrigo.

Distrito dos Ossos - Conto Baseado no Universo de Usuário Final.Onde histórias criam vida. Descubra agora