Capítulo 4 - SEMPRE FOI VOCÊ (Uma semana antes)

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Olho para os dois lados da rua antes de atravessar e entrar no parque. Já está entardecendo e o parque vai fechar logo. Mas ainda tenho tempo suficiente para algumas voltas. Aqui eu não corro: gosto de caminhar e perder meu tempo entre as árvores.

Começa a tocar Savage Garden (truly madly deeply). A música fala sobre estar perdidamente apaixonado, sobre estar ao lado de quem se ama. Uma vez eu já estive assim. Foi há muito tempo atrás. Não me permito mais viver assim. Hoje ao invés dessa loucura, tenho o Eduardo. Mas será que eu ainda o tenho?

Quando olho no meio do bosque eu tenho a impressão de ver uma pessoa conhecida. Minha primeira reação é fechar os olhos e achar que estou imaginando coisas. Abro e olho em frente. Sim é ele. Da última vez que vi o Rafael deixei bem claro que não poderíamos mais nos ver. Mas mesmo assim é ele que vem na minha direção e não uma lembrança. O que ele está fazendo aqui? Será que ele não percebe que eu só quero um pouco de paz?

-O que você quer aqui? Será que vocês já não tiveram o suficiente de mim? - Senti meus olhos começarem a ficar úmidos e um sentimento de dor começou a crescer dentro de mim. - Eu só quero ficar sozinha, será que é pedir muito?

Ele pega em minhas mãos e olha bem nos meus olhos. "Meu Deus, o que é isso, o que ele está fazendo?" Quando tentei falar mais alguma coisa, ele coloca um dedo sobre meus lábios e começa a falar:

-Será que você não percebeu ainda? Que tudo o que eu fiz foi por você? Porque eu te amo e sempre te amei. Tudo foi por nós... Foi à única maneira que encontrei de poder te amar?

Ele me abraça ternamente colocando uma mão nas minhas costas e com a outra acaricia meus cabelos, suspirando fortemente. Por um breve momento eu baixo minha guarda e coloco minha cabeça em seu peito e começo a sentir seu cheiro. Um cheiro que me entorpece por completo. Não sei dizer quanto tempo passamos assim. Era tão calmo e bom estar em seus braços.

-Foi tudo por você. Sempre foi. Pode parecer que é tarde, pode parecer estranho, mas acredite em mim, é verdadeiro. Apenas acredite. - E então ele me solta, apenas para poder me olhar. Sinto seus olhos castanhos me examinando profundamente.

Fico perdida. Não consigo assimilar nada do que ele me disse. De repente, começo a lembrar de tudo o que eu deixei para trás. Preciso por meus pensamentos em ordem. Olhar para ele chega a me causar dor, não só emocional, mas física também. Preciso de ar. Preciso pensar. Preciso sair daqui.

Eu começo a andar. Ele segura meu braço e tenta me puxar.

-Me solta. Não sei como você me encontrou, mas não podemos ficar juntos. - Eu digo com pressa. Preciso sair dali. Sei que logo vou começar a me desabar em lágrimas. Mantenho meu rosto abaixado, não quero que ele me veja tão frágil assim.

- Precisamos conversar. Ainda há tanto a se dizer... - Ele tenta me puxar para mais perto, mas eu consigo me soltar.

Suas palavras me parecem tão doces e tão verdadeiras. Posso senti-las. Minha perdição é quando meu olhar vai de encontro ao seu. Seu olhar é profundo e negro. Desvio para sua boca perfeita, uma boca que eu desejara tanto e em segredo por tanto tempo. E em um impulso ele me segura em seus braços e me beija. Não de uma maneira terna e fraternal, mas com desejo. Seu beijo é tão profundo e doce. Passo minhas mãos sobre seu pescoço e escorrego meus dedos em seus cabelos. Como eu desejara em silêncio fazer isso tantas e tantas vezes novamente.

Quando nossas bocas se separam eu abro meus olhos. Sinto dor por saber que preciso deixá-lo.

-Tão perto e ao mesmo tempo tão longe. - Ele diz com uma dor em seu falar, agora me abraçando com mais força. - Por favor, não fuja de mim. Não de novo.

- Eu não posso ficar Rafael.

- Você precisa Leticia. Precisa dar uma nova chance para nós.

- Não há mais nós. Nunca houve um nós.

-Você sabe dentro de você que somos feitos um para o outro. Não importa quem ou quando, sempre fomos eu e você.

-Rafael. - Eu tremo com as lembranças que voltam a me assombrar. - Eu não vou fugir. Mas eu só preciso pensar em tudo... Por favor, me deixe ir...

- Pode ir. Depois me procure, precisamos conversar. Mas só quando você estiver pronta para isso. Vou sempre estar te esperando, eu sempre estive...

Ele me solta e uma série de perguntas começam a fervilhar na minha cabeça.

- Por que agora Rafael? O que você quer de mim?

- Muitas perguntas que devem ser respondidas ao seu tempo. Agora não é o momento.

- Como você me encontrou depois de tanto tempo? Você me seguiu ou algo do tipo?

- Depende do ponto de vista - vejo certa diversão no olhar dele e não consigo entender. - Internet é uma poderosa arma se usada corretamente.

- Eu não entendo. Tomei algumas precauções e...

- Seu irmão, Leticia. Eu procurei por você e não encontrei, mas seu irmão foi a peça que me levou até você.

- Meu irmão?

- Sim. Encontrei-o em uma rede social. Depois entramos em contato, trocamos e-mail, telefone. Foi fácil, uma vez que sempre fomos amigos.

- Mas como você sabia que eu estaria aqui, nesse parque agora?

- Eu liguei para você hoje e um carinha me disse que você saiu para correr. Eu só liguei para o seu irmão e ele me contou onde você gostava de  correr...

Pego uma pequena mentira em sua conversa, mas não o deixo perceber. Não foi ele que ligou quando o Eduardo atendeu, mas a Beatriz. Porque a mentira? Eles estão juntos ainda? Então porque ele esta aqui?

- Eu preciso ir Rafael. Tenho muito que pensar e...

- Querer e poder são coisas tão diferentes agora. - Ele segura minhas mãos enquanto fala. - Mas já esperei tanto tempo, o que custa esperar um pouco mais quando o sentimento é verdadeiro?

- Eu tenho mesmo que ir. Adeus.

Solto suas mãos e saio andando. Não deveria olhar para trás, mas eu me viro. Apenas para ter uma visão dele, mesmo que seja a última. Ele continua parado me olhando ir. Eu já estou um pouco longe quando ele grita:

- Estou te esperando. Sempre foi você. - Ele grita e eu dou um sorriso que não alcança o meu olhar. 

A sensação de vazio é enorme. Tento entender tudo que se passou e nada faz muito sentido. Não entendo porque só agora? Porque ele nunca havia me dito ou demonstrado nada disso... Como ele pode dizer tudo isso assim? Não, ele não podia fazer isso. Uma coisa era eu manter um sentimento por ele e não ter esperança. Estar em seus braços em meus sonhos e nas minhas lembranças. Agora dói muito mais saber que ele sente alguma coisa por mim.

E porque mentiu?

Tanta coisa podia ter sido diferente se o destino não tivesse brincado conosco, senão tivéssemos sido tão orgulhosos. Não teria escolhido o Danilo. Não teria perdido minha filha. Não teria conhecido o Eduardo. São tantas dúvidas. Será que teríamos dado certo?

Mas não há nada que possa ser feito agora para acabar com essa dor. Preciso continuar andando. Isso sempre me fez bem. Andar para pensar, andar para esquecer. Apenas até meu corpo não aguentar mais. Sem pressa, sem destino, sem rumo...

Não sei ao certo como consegui sair do parque. Eu não sei nem mesmo  como consegui chegar em casa. Mil e uma coisas passam na minha cabeça agora. Encontrar com o Rafael só me faz pensar em como o destino foi cruel comigo.


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⏰ Última atualização: Sep 27, 2015 ⏰

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