Eu descobri porque eles ficaram enrolando. Porque já é muito difícil ter que receber uma notícia assim, imagina então ter que dá-la.
Meus pais ficaram me olhando, me olhando, até que eu disse:
- Então? Vão falar ou não?
Minha mãe suspirou.
-Vamos sim, Alice. Só que é... muito difícil para a gente ter que dar uma notícia assim. Não sabemos como você vai reagir, mas por favor, ouça antes de falar qualquer coisa, ok? - ela me olhou com uma cara de dar pena, e concordei.
- Ta bom então, vamos falar - meu pai disse - Eu e sua mãe... Não estamos... As coisas entre a gente então meio... complicadas.
- Em outras palavras, vocês estão sempre brigando, se xingando, e ontem o pai teve que dormir no sofá - eu disse.
- Como você sabe? -minha mãe perguntou - Ela já sabe? - ela olhou para o meu pai.
- Claro que eu já sei! Vocês nem parecem mais casados, tão sempre brigando, gritando, e depois ficam bravos e descontam em mim! - me levantei, gritando- Qualquer um perceberia! Vocês vão se separar, não é? Não vão? - comecei a chorar, sendo obrigada a encarar a realidade que eu nunca desejei, a realidade que eu nunca tinha considerado possível até algum tempo atrás, quando as brigas entre meus pais, antes raras, começaram a ficar mais frequentes, quase diárias.
- É - minha mãe abriu o jogo - Vamos nos separar. Mas isso não é culpa sua, Alice, e se nós descontamos em você alguma vez nos desculpe!
- Não era nossa intenção. - meu pai percebeu que eu estava chorando, e vi que isso também formou lágrimas no olhos dele - Espero que você aceite que isso é o melhor para todos nós, pelo menos por enquanto.
- Não! Não é! É horrível ver que vocês dois vão se separar sendo que antes juravam amor eterno ao outro! Talvez isso seja melhor para vocês, mas não é melhor para mim! - saí correndo pela porta, batendo com força quando fechei. Não parei de correr nem de chorar até chegar no centro da cidade. É sempre para lá que eu vou quando preciso ficar sozinha. Normalmente não tem quase ninguém, mas como agora é hora do almoço, está lotado de gente correndo para não se atrasar. Consegui sentar em um banco, e tentei respirar fundo e me acalmar. Não seu porque saí correndo, eu já sabia que isso iria acontecer faz semanas! Droga! Não devia ter começado a chorar! Devia ter pensado também neles e não só em mim, como sempre!
-Que droga, que droga! - falei, e graças a Deus as pessoas que estavam andando por perto não ouviram. Eu pareceria uma louca falando sozinha! - Que droga! - dei um grito, e, dessa vez, uma senhora que estava passando se assustou. "Dane-se", pensei, "não me importo que você se assuste, não me importo nem se você tiver um ataque cardíaco!"
Nossa. Eu preciso me acalmar.
Olhei no relógio, já eram duas da tarde. É melhor eu voltar, para esclarecer isso de uma vez com meus pais. Tomara que eu não tenha feito eles se sentirem culpados! Não devia ter falado aquilo, eles nunca descontam em mim! Acho que misturei uma das desculpas que eu tinha criado com o que eu realmente sabia que era verdade.
Comecei a andar bem devagar, tentando ao mesmo tempo limpar as lágrimas. Não sei porque comecei a chorar, nunca fui uma pessoa emotiva! "A Marina, sim, que é muito sensível" pensei. Falando nela, é melhor eu avisar das "novidades".
Peguei o celular enquanto atravessava uma quadra. Mandei uma mensagem, dizendo só que eu precisava conversar com ela. Talvez ela possa se conectar no computador mais tarde. Tomara mesmo, porque, do jeito que as coisas estão lá na casa dela, com as notas baixas que ela tirou no último trimestre, acho difícil que ela possa fazer outra coisa além de estudar.
Ela sempre foi uma aluna na média, não passava raspando nem tirava 10, mas esse ano, sei lá porque, as notas dela- e minhas também- começaram a baixar muito, e se ela -ou melhor dizendo, nós- não tirarmos uma nota boa nesse trimestre, é bem provável que peguemos recuperação - ela em História e eu em Inglês.
Parei na esquina e esperei o sinal fechar. Agora as ruas estavam quase desertas, com apenas os movimentos dos carros.
Quando o sinal fechou, comecei a atravessar a rua, mas, quando cheguei na metade da faixa, ouvi uma buzina alta vinda da minha direita. Só tive tempo de virar a cabeça e ver um carro vermelho vindo em minha direção em alta velocidade - e sem sinais de que ia parar - antes de ser arremessada pelo carro e não lembrar de mais nada.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Sozinha
Teen FictionMarina e Alice são garotas como qualquer outras. Ambas são grandes amigas, desde a infância. A vida delas sempre foi parecida, sempre foi calma e boa, sem problemas com a família nem na escola. Mas agora, esse ano, em que as duas chegaram na sétima...