Capítulo Único

331 35 9
                                    



Não vai conseguir ir muito longe, ruço!

A rua devia estar deserta naquela tarde.

No entanto, foi perturbada pelo som de passos velozes e violentos, que deveriam ter chamado a atenção dos lojistas do pequeno vilarejo.

E, adiante deles, com o coração aos pulos, eu corria para tentar me salvar.

Olhei desesperado ao redor, tentando visualizar algum lugar por onde escapar. Minha varinha, mesmo em mãos, parecia tão hesitante em fracassar numa tentativa de se defender quanto eu.

- Não pode correr para sempre, garoto! – ouvi um dos seqüestradores exclamar.

Eu sabia disso. E por isso estava desesperado para encontrar um esconderijo.

A viela em que eu corria ficou mais estreita, repleta de sacos de lixo e caixotes descartados.

Num assomo de aflição, usando o pouco de disposição que ainda me restava, acelerei a corrida, ultrapassando alguns metros adiante e permitindo que eu pudesse me esconder repentinamente em meio á bagunça de lixo e sujeira que havia num beco ao lado.

Encolhi-me ainda mais em meio aos detritos, cavoucando o monte e prendendo a respiração, até que os seqüestradores finalmente chegaram ao beco.

- Pare de se esconder, rapaz... – ouvi um deles se aproximar do monte de lixo que me encobria, a varinha em riste.

- Para onde ele foi? –outro perguntou, irritado.

Para minha sorte, o tanto que eles eram velozes, também tinham de burros. Nem se deram o trabalho de fuçar no lixo para abrir caminho até onde eu poderia estar.

- Ele não pode ter sumido.

- E nem se enfiado no lixo, idiota.

Se era o que eles pensavam, ficava satisfeito em poder não corrigi-los.

- Vamos continuar procurando. Aquele ruço não deve ter ido longe.

Ouvi os passos se distanciarem, até sumirem de meu campo de audição.

Senti minhas pernas protestarem pela corrida desenfreada., mas me recusei a sair da posição em que estava por alguns minutos, decidido á ter certeza absoluta de que os seqüestradores não voltariam.

Com o corpo dolorido e sentindo fome, foi fácil e torturante pensar no como, naquele momento, estar junto de minha família, saboreando uma ceia deliciosa, seria realmente maravilhoso.

Lágrimas de angústia ameaçavam escorrer pro meu rosto.

Como eu chegara àquele ponto?

Minha consciência, acusadora, apontou para mim cruelmente.

Você. Foi você que causou tudo isso.

E ela tinha razão.

Eu causara tudo que estava acontecendo comigo.

Fraco, patético e inconseqüente, para variar. Tinha deixado-me subjugar por aquele maldito medalhão.

Corroia-me recordar dos pesadelos que ele me causara. Do como aquele pequeno objeto parecia dissecar, de modo profundo e insensível, cada emoção minha, cada medo, cada sonho. Do como, de modo horrendo, havia feito meus pensamentos mais inconscientes surgirem em minha mente com uma proporção maior e mais assustadora, implantando em mim, como uma erva daninha e venenosa, os piores sentimentos, que me levavam ás piores ações.

Anima LumenOnde histórias criam vida. Descubra agora