Relato Nº1. CADU

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RELATO Nº 1
JOSE CARLOS, O CADU.





MARCELO. "Pronto, Cadu. O gravador está ligado. Pode começar com seu depoimento."

CADU. (Arrastar de cadeiras. Tom de voz ansioso e lento.) "Obrigado, Marcelo. Bom, certamente começou quando eu me mudei do Rio pra cá pra São Paulo ano passado, no final do Ensino Médio. Eu entrei na classe nova e o professor me pediu para sentar ao lado dela. Eu sou meio tímido, não sou de encarar muito as pessoas, mas não podia deixar de olhar para o rosto dela, pelo menos para cumprimentá-la com um aceno de cabeça. (Pausa, pigarro.) Quando eu ergui os olhos para ela, vi que seus olhos estavam mais arregalados que os olhos de uma coruja. Até quando me sentei, o pescoço dela virou para meu rosto como o de uma coruja, com um sorriso muito estranho.
- Oi, eu me chamo Eliza - ela disse, e estendeu a mão pra mim. Como eu sou educado eu a apertei, né. - Mas pode me chamar de Sua.
- Minha? - eu perguntei sem entender.
- Sua. Não minha.
- Ah. Sua então.
- Sua. Só Sua.
- OK. - Olha, Marcelo, eu achei muito estranho logo de início, ela por completo. Nem queria puxar assunto, ainda mais na sala de aula, mas ela começava a sussurrar as coisas pra mim. Eu acenava com a cabeça por educação às vezes, sabe, mas ela não notava que não tava prestando atenção nela, e aí desatava a falar nos meus ouvidos. Mas tipo, bem perto mesmo. Tinha hora que ela falava tão rápido que enchia minha orelha de saliva... Tinha hora... Tinha hora... (Pausa. Som de choro. Fungo. 2 minutos depois:) Desculpa... me lembrar dessas coisas me causam certo estresse. Não gosto de lembrar... É demais pra mim..."

MARCELO. (Voz suave, de incentivo.) "Está tudo bem, Cadu. Ela não está aqui agora. Não se preocupe. Olha pra mim. Isso. Consegue ver nos meus olhos que não estou mentindo. Ela se foi, pra bem longe. Você não é mais o crush dela... Esse seu relato é muito importante pra minha tese de psicologia. Você disse que ia me ajudar."

CADU. "Eu sei, cara. Foi mal. Vou continuar. Eu consigo. Você tem razão, ela se foi... (Pausa de meio minuto.) Tá... Parecia que por onde eu ia ela vinha atrás de mim, como uma sombra. E ficou nisso por vários meses, até num domingo de julho. Eu estava na casa dos meus tios aproveitando as férias quando meu celular começou a vibrar loucamente, sem descanso. Eu tava jogando videogame com um primo, mas nem liguei, e o celular não parava de vibrar, e ficou assim por minutos. Quando vi, tinha umas cem mensagens de pessoas estranhas no meu celular. A maioria com praticamente o mesmo dizer..." (Pausa. Respiração pesada.)

MARCELO. "O que dizia as mensagens, Cadu?"

CADU. (Choro. Pausa. Respiração audível.) "Diziam 'Fica com a Eliza. Ela te ama. Ela te ama mais do que você um dia poderá ser amado. E ela fará de tudo pra ficar com você. De tudo'. Eu... eu achei loucura. Digo, nunca pensei que poderia MESMO levar a sério o 'de tudo'. (Pausa de 10 segundos.) Outras diziam que eu era o crush mais sonso do mundo de não perceber aquilo. Mas os crushs sempre percebem quando a pessoa está louca por eles. Só não demonstram porque não gostam. Essa é a verdade."

MARCELO. "E... o que você fez depois disso? Digo, das mensagens aparecerem loucamente no seu celular."

CADU. "Eu fiquei num primeiro momento confuso, mas depois, com raiva. Sério, Marcelo, quem em sã consciência faz uma coisa dessas achando que é legal? Ela expôs a privacidade do meu número de telefone a estranhos em algum grupo no Facebook!... Depois disso tive de mudar de número.
"Então, quando as aulas voltaram, eu fui conversar com ela, tirar satisfações. 'Você é louca?', eu disse, e ela começou a chorar. Disse que não tinha feito nada daquilo e que estava perplexa. Mas sabe quando você sabe que alguém tá mentindo? Uma galera estava perto da gente no corredor e ouviu tudo. Aí piorou a situação. Todo mundo começou a me chamar de 'Crush da Eliza'. Era humilhante." (Suspiro audível. Pausa de 5 segundos.) "Eu comecei a evitá-la, e consegui, mas cada vez que olhava pra ela, vi que ela estava me olhando com aqueles olhos demoníacos de coruja... Eu não podia imaginar que ela era mesmo uma maluca..."

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