RELATO Nº 2
RITINHA.
MARCELO. "OK, Ritinha. Está gravando. Pode começar quando quiser."RITINHA. (Voz levemente risonha, tranquila.) "Beleza, querido. Meu nome é Maria Rita, mas todo mundo de chama de Ritinha. Não é um apelido que escolhi, mas mesmo assim é melhor que esse nomezinho escroto que minha mãe me deu. Fala sério (Pausa de risos; 4 segundos. Pigarro.) "Você é bem 'sérinho', hein, Marcelo. Credo."
MARCELO. (Tom de voz sério, mas informal) "Poxa, Ritinha, sabemos como isso terminou. Nem sei como você leva na brincadeira assim. Era pra você tá toda bolada."
RITINHA. (Voz sarcásitica.) "Ah, me poupe, né? Já vi acontecer coisas piores por aí..."
MARCELO. "Enfim. Pode começar a contar o que aconteceu com o seu troush."
RITINHA. (Som de gargalhada. 10 segundos.) "Adorei. 'Troush'... Mas bem, vamos começar então, Sr. Preciso Terminar Minha Tese.... OK, não precisa me olhar com essa cara de cu azedo."
MARCELO. "Se você não fosse uma amiga, e o seu relato não fosse importante, já teria te dado um sacode."
RITINHA. (Voz risonha.) "Vai cortar essa parte, né?"
MARCELO. "Graças a você vou ter cortar muitas partes antes de apresentar a tese final."
RITINHA. "Gosto assim."
MARCELO. (Suspiro longo de exaspero.) "Começa a caralha desse depoimento logo, por favor. São cinco da tarde já, e marquei com a Carla às seis e meia.
RITINHA. "Sua namorada sabe disso?"
MARCELO. "Se quer me foder me beija, Ritinha. Anda logo."
RITINHA. (Leve arrastar de cadeira.) "Comecemos, então. A primeira vez que eu vi ele foi numa boate na zona leste, a Inferninho Azul. Você conhece. Vai todo sábado lá... E nem adianta olhar com essa cara pra mim. Até a faxineira lá sabe o seu nome, amado... Mas enfim. Estava lá eu com umas amigas, tomando uma cervejinha. Foi quando ele chegou com uns amigos. Tava todo engomadinho, até com o botão da camisa pressionando o pescoço. Fala sério." (Risada breve.) "Eu reparei que ele não parava de olhar, e toda vez que meu olhar parava nele ela desviava correndo os olhos para o lado, mas logo depois voltava a me secar. No fim da balada eu já tava sozinha. Como sempre as meninas se dispersaram com os boys delas, e eu fiquei por último, até porque não ia encontrar outra sapata ali."
MARCELO. "Lembrando que você é gay, mas não assumida, certo?"
RITINHA. "Isso. Pouca gente sabe de mim, e prefiro que seja assim... Falando nisso, você vai mudar o meu nome aí nessa sua tese, né?"
MARCELO. "Vou, sim. Vou colocar 'Inrustidinha'. O que acha? Não perde toda a essência." (Voz em riso.)
RITINHA. (Tom azedo.) "Muito engraçado, Zé-Boceta. Coloca depois aí um nome Maria alguma coisa. Maria Clara, Mara Alice, Maria Joaquina, Maria do Carmo, Maria do Bairro, o que for. (Voz em tom normal, plácida.) "Quando eu tava saindo da boate pra pegar o ônibus vi que ele veio atrás de mim. Me abordou e se apresentou com toda educação que um homem devia ter - não igual a você, que ao invés de me dar boa-tarde ficou me xingando por ter chegado atrasada, mas deixa estar. Ele me ofereceu carona, porque àquela hora nem tinha mais circular. Eu relutei de início, mas ele insistiu e eu já tava doidona mesmo e aceitei.
"O Flaviano, que era o nome dele, começou a puxar assunto no carro, queria saber de mim, e eu fui falando, né? Ele disse que vivia pra Jesus e me chamou pra ir na igreja dele pra conhecer, que eu ia gostar... Depois disso, de ele me deixar em casa, todo cavalheiro, achei que nunca mais ia vê-lo, mas o viado era esperto. Perguntou meu nome completo pra me achar no Facebook. E achou. No outro dia quando acordei vi que ele tinha me stalkeado gostoso. Curtiu quase todas minhas fotos de perfil e meus status, até os de 2010, cara. Pode isso? O Facebook dele era só vídeo e compartilhamento das coias do Marco Feliciano e do Malafaia. Aí não dá. Já é forçar a barra.
"Depois de um tempo ele me chamou no bate-papo e tal e queria porquê queria conversar comigo e tudo, me convidou pra tomar açaí e os caralho-a-quatro. Meti a louca e comecei a dar uns migués nele. Até que ele descobriu a faculdade que eu estudava e começou a aparecer de carro lá na porta. Acenava pra mim quando me via, mas eu fingia que não tinha visto e dava no pé rapidinho.
"Então aconteceu o dia do juízo final. Foi num sábado. Tava fazendo feira pra minha mãe quando do nada ele apareceu atrás de mim. Perguntou se eu tava bem e tal e depois me chamou pra tomar sorvete, porque segundo ele, naquele dia nublado tava 'fazendo calor'. Eu disse não, e disse que tava ocupada ali. Ele até disse que me acompanharia até em casa de novo. E aí não me segurei. Ah, gritei com ele. Gritei mesmo. Eu peguei e falei pra ele parar de me encher o saco, que não ia rolar nada entre a gente até porquê eu gostava de boceta, xoxota, perereca, aranha, gostava de colar o velcro. Falei desse jeito. Ele começou a chorar, e disse que era mentira minha, e eu disse pra ele que não era. Aí tirei meu celular do bolso e mostrei um dos monte de pornozão lésbico que eu tenho aqui. Aqueles que você pediu pra eu te passar pelo Whatsapp, tá ligado?... Pois é... Ih, nem adianta balançar a cabeça aí, não, punheteiro. (Risinho sarcástico.) Voltando. Aí vem a melhor parte. Ele empurrou minha mão, que tava colada na frente dele com o celular e disse que o Jesus dele ia me jogar no inferno por tudo o que faço, que isso era uma aberração aos olhos de Pai Celestial e essas caralhas. Aí, pra fechar com chave de ouro, mandei um 'Eu sou ateia! Não acredito em Deus e nem em nada disso que você acredita. Nada disso me afeta, OK?' Foi quando ele teve um taquicardia no meio da praça. Colocou até a mão no peito, sabe? Tipo aquelas novelas mexicanas? Os feirantes foram ajudá-lo, enquanto alguns mais próximos riam. Eu não sabia que ele ia ter um treco ali. Se soubesse, já tinha pegado e ido embora. Mas, no fim, foi o que eu fiz. Depois eu soube que ele ficou bom e tudo."MARCELO. (Tom de voz levemente risonho.) "Só você mesmo. Aliás, a Renata me deu um esporro por causa daqueles vídeos. Apagou todos."
RITINHA. "Depois eu passo mais pra você. Tem uns novos aqui de umas mina toda gostosa... Ah, já ia me esquecendo. O Flaviano depois começou a me mandar um monte de mensagem me chamando pra participar das reuniões na igreja dele depois, disse que eu era uma perdida, mas que a igreja poderia ser o templo onde eu poderia me encontrar. E que me ajudaria se fosse preciso..." (Risadas altas.) "Ai, ai... Eu adoro esses crentelhos."

VOCÊ ESTÁ LENDO
Terapia Crush
Fiksi RemajaMarcelo é um estudante de psicologia e está escrevendo sua tese, reunindo depoimentos de pessoas que passaram por experiências bizarras com alguém que lhes amavam, mas não tinham seu amor retribuído. 10 relatos. Cada um, uma história diferente. Com...