A FUGA - PARTE 1

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A FUGA

Ainda é noite e como de costume nos últimos dias não consigo dormir mais que algumas horas. O medo me persegue, e mesmo que eu tente evitar qualquer evidência do pânico em minha voz, acordo gritando por meus pais. E agora não foi diferente, só que, minhas mãos estão suando e meu corpo tremendo como se eu estivesse sendo eletrocutada. Encolho-me no canto do colchão, segurando os meus joelhos próximos ao corpo, tentando controlar as lágrimas que insistem em me fazer companhia.

Respiro com dificuldade "Foi só um sonho, está tudo bem" digo a mim mesma, "eles estão bem, estão vivos" - cochicho na esperança de que isso me acalme. Depois de algum tempo me entrego e arrasto-me para fora do colchão de palha, pego a pequena lanterna no bolso da minha blusa de magas desgastada e com as pontas dos meus pés descalços, tomando cuidado para não tropeçar nos corpos desacordados pelo sono que estão distribuídos por cada canto da sala espaçosa de Peter, caminho em direção ao cômodo da cozinha. Ligo a lanterna, desço três degraus pequenos que dão acesso ao corredor da cozinha e ando silenciosamente até a porta de saída. Com delicadeza, torcendo para que ninguém me ouça, eu á abro. Não devia estar fazendo isso. EU SEI.

Mas estou. Então, afasto de mim todo o pensamento sobre como estou sendo irresponsável e imprudente, me sento no batente da porta que dá em direção á rua desolada da colônia, desligo a lanterna e encosto minha cabeça na porta, respiro o ar pesado do frio misturado com a terra molhada pela chuva e tento não pensar em nada.

De olhos fechados consigo ouvir mesmo que timidamente o canto dos pássaros nas árvores que circundam esse lado da colônia.

E se eu os deixasse assim, durante toda a madrugada, talvez, pudesse esquecer tudo o que tem acontecido desde que Cezar tomou posse de Utópia, agiria como se nada estivesse acontecendo, fingiria que meus pais retornariam para casa, e que logo, iríamos visitar as montanhas de Arón.

Porém, sempre que ouso tentar, nem que seja por um segundo, ouço os gritos das mães pedindo socorro por seus filhos, dos filhos chorando pelas mães, e de famílias sendo mortas. Algumas, de uma forma violenta, outras, sem dor.

E eu, choro toma a minha alma. Isso nunca vai mudar. Eu cresci com essas pessoas, eu as conheci. Conheci seus filhos, e a maioria estudou na mesma sala de matérias escolares que eu. Pessoas boas morrem o tempo todo. E não há o que eu diga, que mude a sensação de impotência que sinto, sempre que ouço as suplicas de socorro dessa gente em meus ouvidos.

O vento gelado ricocheteia em meus braços arrepiando as minhas espinhas, e apesar de o pingo da chuva me fazer sentir viva, confesso, que ainda assim, sinto falta do sol. Há tempos, não me sinto aquecida por ele. Espero ter chances de vê-lo se pondo, nem que seja uma última vez.

- Se você continuar se arriscando assim, talvez não tenha.

Sorrio ao ouvir o tom de desaprovação de Peter. Ele caminha até onde estou e se senta ao meu lado.

- Sonhos ruins? - ele pergunta.

- Os mesmo de sempre. - Respondo.

Peter passa seus braços magros por volta do meu corpo, e eu me aconchego em seu ombro, repousando minha cabeça enquanto observo o farfalhar das folhas da árvore á minha frente. As gotas de chuva se intensificam, mas não me levanto. Deixo que a chuva molhe meus pés sujos.

- eles estão bem - Peter diz, enquanto passa seus dedos entre meus fios de cabelo embaraçado- Por alguma razão, não puderam voltar. Você precisa acreditar nisso. -Seu tom de voz é tão doce, e cuidadoso, sereno e gentil, que não há como acreditar que não. Ele age como se estivesse falando com um animal ferido, e eu sorrio de canto de boca. Não posso evitar.

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