Efêmeras?

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-Ela não tem capacidade. -corta a vó de Flávia, por fim. -É uma perda de dinheiro.

-O dinheiro é meu e eu faço o que eu quiser. -retruca a mãe.

-Cê vai frustrar a menina! Deixa ela aí mesmo, onde ela tá faz anos.

-Mas desse jeito a menina não cresce! Vai achar que a vida é fácil, que não tem desafio.

-Desde quando cê se importa com desafios? Essa menina não precisa de desafio. Essa menina precisa é achar um homem rico.

-Ah, mãe, cê não conhece minha filha. Minha filha não vai precisar de homem rico, não. Minha filha vai ser rica! Por isso que vai pra escola particular.

-Isso era o que me faltava. A gente precisa de uma tevê nova, um sofá mais largo e tudo... e cê vai gastar dinheiro com estudo? Ave Maria!

-Eu tô fazendo a coisa certa, mãe. Cê vai ver daqui a alguns anos...

Flávia, escondida atrás da porta da cozinha, escuta tudo em grande silêncio. Mas se vê incomodada por um pernilongo e faz um movimento brusco para detê-lo de se aproximar de sua orelha. Por acidente, derruba algo.

PUFT!

O barulho de jarra estilhaçada se alastra por todos os cantos do apartamento.

-FLÁVIA! - esbraveja sua vó. -ATÉ QUANDO VOCÊ VAI CONTINUAR SENDO ENXERIDA DESSE JEITO?

Flávia corre num piscar de olhos direto à porta dos fundos. Logo, desce as escadas do prédio e se esconde lá.

Como você já deve suspeitar, leitor, essa Flávia escondida nos degraus fundos do décimo segundo andar é a Flávia que lhe apresentei anteriormente. E eu poderia lhe contar tudo sobre essa garota de prontidão para que, assim, você já formulasse opinião sobre ela. Se eu te contasse que ela é dotada de alguns grandes defeitos e exaltasse aquelas outras grandes qualidades, você a julgaria e olharia para o resto do livro de um jeito diferente. Eu poderia lhe ditar seus dados jurídicos, mostrar sua certidão de nascimento e rir junto com você perante sua foto 3x4. Eu poderia fofocar todos os podres e os poderes dessa menina. Mas se tem uma coisa que eu não vou fazer, leitor, é detalhar Flávia e suas flávices de prontidão. Prefiro que você a descubra. Não tem graça se eu lhe contar tudo agora, bem no começo do livro. Você se entediará. Prefiro que você a desvende. Isso pois, de qualquer forma, você a julgará em algum momento do livro. Ou ela é chata, ou ela é legal, ou ela é sem açúcar e sem sal. Nenhuma abordagem será imune ao seu senso crítico. Então para que acelerar a narrativa? A única coisa que você precisa saber agora é que essa escondida nas escadas, com medo do temperamento da avó, é Flávia.

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A menina gostava da escola onde estudava, apesar de todos os empecilhos. Ela amava de paixão as amigas que conquistara mas, só de pensar em ter que mudar de escola e em ter que passar por todo processo de amizade outra vez, já tinha enxaqueca. Flávia amava suas amigas de paixão, mas foi um pé no saco conseguir o título de amizade, diga-se de passagem.

-EI! -berrou, uma vez, no pátio cheio da escola, essa menina parruda de nove anos. -VOCÊ, AMIGA DO JOÃO! AQUI, AGORA!

Flávia conferiu com o olhar se era ela quem estava sendo intimada. E, infelizmente, era. Com a preguiça evidente na expressão, nossa protagonista caminhou até a menina encrenqueira e seu amontoado de companheiras. Chegou mas permaneceu em silêncio. A menina parruda, claramente irritada pela quietude, começou:

-Uma primeira lição pra você. Aqui a gente se comunica de dois jeitos: na fala... -a menina fechou os dedos da mão esquerda na palma e socou a mão direita. -ou na marra.

Uma Flávia Em Um MilhãoOnde histórias criam vida. Descubra agora