3° Carta
Meu querido Papai Noel, sei que já estou bem grandinha - já tenho quase vinte anos - e já faz quase dois anos desde a última vez que lhe escrevi. Talvez o senhor de início se negue a me presentear com o que este ano venho lhe pedir, mas quero dizer que é um pedido especial pelo qual minha alma anseia!
Nunca pedi algo com tanta vontade de ser atendida: talvez eu até tenha dito que os presentes dos anos que passaram eram tudo o que eu mais queria, mas acontece que eu descobri que tudo aquilo que eu já tenho, não faz sentido e não tem graça se eu não tiver o que te peço agora.
Bem, ouvi dizer que o senhor ouve nossos pedidos antes mesmo de os escrevermos, mas mesmo assim irei escrever; quero ter certeza de que o senhor não vai deixar de atender à minha cartinha.
Meu bom velhinho, quero pedir algo que ninguém consegue me dar. Não é de comer, nem que se vende no mercado. Papai Noel, meu querido velhinho... não precisa embalar, pois eu recebo do jeito que vier. Sei que se for embalar, o presente pode demorar ainda mais para chegar nas minhas mãos, e tenho pressa em recebê-lo. Se for possível, gostaria de tê-lo, pois será torturante esperar.
Sabe o que é, Papai Noel? Eu desejo muito muito muito que o senhor traga de volta a mulher da minha vida, aquela que o senhor me deu de presente há dois anos atrás. Ela se foi em um incêndio. Perdi minha noiva, e desde então sinto tanto a falta dela... Talvez esse incêndio tenha acontecido nas suas férias, pois acredito que o senhor nunca deixaria que isso tivesse acontecido. Já passei alguns natais sem ela, mas esse ano quero que seja diferente.
Sei que já fazem quase dois anos que parei de escrever para ti, e por isso imagino que deva estar meio perdido com essa história de incêndio, então vou escrever a história para o senhor entender melhor:
Um dia marquei de sair com uma amiga para tomar um sorvete e jogar conversa fora. Ela, então, foi acompanhada de uma colega de curso que até então eu não conhecia; conversa vai, conversa vem, em um trecho da conversa a Thaís (minha amiga) contou sobre a sua colega. Afirmou que ela também era lésbica e estava solteira. Eu ficava tímida, mas a Thaís amava me arrumar pretendentes, àquela altura era óbvio que Thaís armou o tal sorvete para nos apresentar.
Eu estava solteira já fazia algum tempo, e, mesmo acreditando que encontros arranjados quase nunca davam em nada, resolvi arriscar. Autorizei então que a minha amiga passasse meu número para a tal menina, sem que ela soubesse que foi um pedido meu. Desde este sorvete, muitos dias passaram. Em um dia qualquer meu celular toca e era a tal garota do lindo sorriso.
Começamos uma amizade e passamos a ficar muito tempo conversando por ligações. Eu gostava dos assuntos dela, e, ao que parecia, ela também gostava dos meus.. Até que finalmente marcamos um encontro, desta vez sem Thaís.
De início, confesso que cheguei a pensar que Jade e eu éramos incompatíveis por falta de afinidade. Mas, com o tempo e a convivência com ela, notei que Jade era incrível.
(...) Muito tempo passou... Horas, dias, meses e cada dia eu a conhecia mais. Ela passou a me visitar constantemente e eu já estava cada vez mais viciada nela. Depois de algum tempo, eu já não mais aguentava ficar distante: um dia no qual não nos falássemos era uma espécie de tortura para mim. Passávamos a maior parte do tempo grudadas. Quando não na minha casa, era na casa dela - horas gastas conversando, rindo, comendo, brincando - e todo mundo lá em casa começou a comentar que estávamos namorando. Eles nunca foram preconceituosos, e, por sorte, sempre torceram a favor, mesmo quando enganei a mim mesma afirmando ser só amizade. Minha mãe tinha Jade como uma segunda filha e amava a idéia de tê-la como nora. Todos na minha família notaram, antes mesmo de nós duas, o quanto éramos apaixonadas uma pela outra.
As conversas, os games, os heróis, os filmes, os livros, os gostos músicais tão iguais... Não havia nada que eu fazia que não a chamasse para fazer junto. Éramos quase inseparáveis. Eu já não nos diferenciava mais, éramos como uma alma habitando dois corpos. Ela era uma espécie de droga, que quanto mais eu tinha, mais eu queria. Estava cada vez mais difícil acreditar ser só amizade, mas eu tinha medo de admitir a mim mesma minhas reais intenções. Volta e meia ela dava umas investidas, mas eu nunca fui muito fácil de se deixar envolver, e fazia questão de cortar cada cantada.
Um certo dia, vendo um filme de terror no cinema, ela inesperadamente resolveu me abraçar. Não um abraço qualquer, era um abraço diferente. Ela me confortava em seus braços e parecia me proteger do mundo, mandando para longe os meus medos, que já não eram mais dos fantasmas e monstros daquele filme, mas sim temores de perdê-la. Seus braços me envolviam tão bem, e não conseguia pensar em mais nada, somente em viver o momento. Foi aí então, envolvida pelo abraço de Jade, que a ficha caiu! Não era possível ser só amizade. Era amor.
"Como não notei antes? Eu a amo." - falei para mim mesma tentando convencer-me.
Movida por todo esse sentimento, ainda aproveitando o escuro do cinema e nossos corpos envolvidos em um abraço, busquei sua boca e roubei um beijo de seus lábios. Ela de início ficou surpresa pela minha atitude, mas não recusou, pois também esperava por isso há muito tempo.
Naquela noite, nossas vidas passaram a se encaixar. Após aquele beijo intenso e apaixonado, assumimos a nós mesmas o quanto estávamos apaixonadas. Os dias voavam, e nossa ligação só aumentava incansavelmente - trocávamos mensagem e ligações todos os dias, de modo que um dia sem ela era torturante.
Nunca gostei tão rápido de alguém, mas amei-a fácil. Passei a respirar pela Jade e a viver por ela. Entreguei a ela minha alma e meu coração. Volta e meia brigávamos e ficávamos zangadas uma com a outra, mas o amor sempre falava alto, e deixávamos o orgulho de lado: sempre havia reconciliação. Quando existe amor, não há espaço para rancor.
O tempo foi passando, até que tomei coragem de pedir a Jade em namoro. Foi incrível, a levei até uma praia e toquei uma das minhas músicas preferidas no violão, "Feita pra fugir" (Dândis). Quase todo mundo parava para nos olhar... Espalhei pela praia caixinhas enterradas na areia, desafiando-na à encontrá-las como parte da surpresa.
Era um total de quatro caixinhas espalhadas. Entreguei um mapa - que denominei como "o mapa do amor" - e deixei que ela procurasse, através das pistas do mapa, onde as caixinhas estavam.
- Na primeira caixinha, ela encontrou fotos nossas.
-Na segunda caixinha, encontrou cartas que havíamos trocado nesse tempo juntas.
- Na terceira, encontrou vários tipos de flores: rosas vermelhas, tulipas e lírios, que eram nossas flores preferidas pelo significado que tinham.
- Na quarta caixa, encontrou uma caixinha preta.
Antes que ela abrisse a caixinha, eu peguei delicadamente de suas mãos. Me ajoelhei na areia da praia e pedi que ela fosse minha namorada, deixando à mostra a aliança que estava armazenada nela.
Todos os passantes começaram a aplaudir e gritar para que ela aceitasse, e, com um largo e lindo sorriso, disse sim, me abraçando com amor. Jade amou o pedido de namoro e até chorou emocionada. Eu aproveitei para colocar a aliança em seu dedo... Foi aí que a Thaís e mais alguns amigos entraram na surpresa... Se aproximaram gravando tudo com um celular.
- Parabéns! Agora beijem-se que isso tá mais emocionante que novela mexicana - a Thaís disse, segurando o célular e focando no beijo. (A gravação era para registrar o momento singular de nossas vidas)
Dois anos se passaram... Anos esses de muito amor, paixão, carinho, mimos, lembranças, viagens, companheirismo. No entanto, um certo dia toda essa alegria foi abalada por um terrível acidente. Um vazamento de gás em sua casa mudou nossas vidas para sempre.
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O luto das borboletas [Romance lésbico]
Chick-LitEste livro conta a história de uma garota que escreve cartas à Papai Noel. Seu intuito com essas cartas não é literalmente que elas sejam atendidas, seu desejo real é escrever para esvaziar uma dor profunda que ficou em seu coração desde que seu gra...