Atormentado

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Killian vagava pelo navio, tal como fizera nos últimos meses, sua mente estava livre de lembranças; estava dispersa em pensamentos desnecessários. Então as gargalhadas retornaram como uma bomba.
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-Peter para... Para -gritava com dificuldade
-Peça "por favor" vossa alteza. -zombou o ruivo, pois tinha ciência de que seu amigo odiava este título
-Por favor... Peter... Para. -disse entre gargalhadas
O garoto ruivo parou de fazer cócegas no amigo e o encarou de forma divertida.
-Promete pra mim Kill?
-O que? -encarou o amigo de maneira curiosa
-Que jamais deixaremos a criança que somos de lado? Que jamais viraremos as costas um para o outro?
-Prometo.
E novamente uma promessa de dedinhos foi selada, promessa a qual jamais deveria ser quebrada.
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"Ele quebrou a droga da promessa." -pensou
O ex príncipe soltou o ar de seus pulmões de forma descompassada e lenta. É triste saber que você se encontra no fundo do poço; e as coisas só pioram quando se tem ciência de que o principal culpado é alguém próximo, que o empurrou e o deixou para apodrecer.
-Por que comigo Peter? O que eu te fiz? -indagou olhando para os céus, mesmo sabendo que seu ex amigo jamais o ouviria, uma vez que isso era biologicamente impossível
Killian voltou aos seus aposentos -se é que aquele cubículo minúsculo pode ser denominado desta maneira- e se jogou na pequena cama que reclamou do peso do rapaz.
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-Sua cama é bem maior que a minha Kill. -o ruivo pulava na cama do amigo
-Mas você é mais feliz do que eu Peter, os bens materiais jamais trarão felicidade para mim. Ao menos não o tipo de felicidade pela qual anseio; você, meu caro amigo, é a única coisa realmente valiosa que eu possuo. -Peter sorri abertamente e abraça o amigo
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Killian balança a cabeça negativamente, como se tal ato fosse capaz de dissipar as lembranças.
O que de fato deu resultado, suas lembranças desapareceram; ao menos por algum tempo. Não o entenda mal, Killian não é o tipo de pessoa fria e calculista que odeia o seu passado; ele realmente se orgulha de seu passado e de tudo o que aconteceu com ele.
O rapaz só está passando por um momento difícil, momento o qual já durou mais tempo que necessário.
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-Killian? -gritou o amigo, assim despertando-o de seu sono
O garoto abriu os olhos lentamente a primeira coisa que viu foi o sorriso do ruivo.
-Diga Peter.
-Minha mãe, ela está melhor Kill. -bateu palmas
-Isso é ótimo ruivo. -abraçou o amigo
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O rapaz foi tirado de seus devaneios ao ouvir os gritos do capitão, que; certamente, chamavam por ele.
-Alguém me diz, agora, onde está aquele ser imprestável. -gritava o capitão
Ninguém o respondeu e isso irritou-o ainda mais.
-Pois bem, não irão me responder? Coloquem a língua pra fora, já que querem ser mudos, mudos serão. -esbraveja o capitão
-Estou aqui. -diz Killian saindo de seu minúsculo quarto
Nem ao menos ele sabe o porquê de ter realizado tal ato; ninguém naquele navio se importava com ele, o correto seria que permitisse o capitão cortar-lhes a língua antes de aparecer.
Dominic ia dizer algo quando foi interrompido por um marujo.
-Terra à vista. -gritava ele
O capitão revirou os olhos, visivelmente bravo por ter sido interrompido.
-Tem alguma coisa de valor nesta ilha? -gritou o capitão
-Sim senhor, há um reino. -respondeu um dos marujos
-Pois bem, saquearemos tudo e mataremos todos, até mesmo idosos, mulheres e crianças. Não faremos prisioneiros. -gritou
Os marujos comemoraram, para eles assassinato transmitia alegria, já para Killian não passava outra coisa se não tristeza.
O navio ancorou no porto, os piratas desceram e deu-se início ao saqueamento. Mulheres imploravam por misericórdia, crianças choravam desesperadamente ao lado dos corpos de seus pais.
Killian não compreendia qual o sentido de tudo aquilo, não há gratificação ao ver o sofrimento de seres humanos; ao menos não ao seus olhos.
-Mate esta mãe Killian. -ordenou Dominic
O rapaz olhou para a mulher, a expressão em seu rosto era de pavor, em seus braços estava um bebê e, ao seu lado, uma criança.
-Não posso fazer isso.
-Não lhe perguntei o que sua consciência pensa. Eu ordenei que faça isso, você deve obedecer as ordens de seu capitão. -esbravejou
-Eu lhe disse que não irei fazer isso e eu não sou de repetir Dominic. -disse convicto
O capitão lançou-lhe um olhar fulminante.
-Pois bem, então mato-as eu e depois mato-lhe junto, rapaz insolente.
Disparos fizeram-se presente, gritos da criança e choro do bebê que não duraram por muito tempo. Todos estavam mortos, a vila foi dizimada, a morte se tornou a única habitante do local.
Os marujos regressaram ao barco com todas as posses que saquearam, eles pareciam orgulhar-se das atrocidades cometidas; Killian, por sua vez, apenas sentia pena e tristeza.
-Festejem marujos, se precisarem de algo, eu estou em minha cabine, castigando este insolente. -puxou Killian de maneira bruta
Os marujos sorriram abertamente, aos olhos do príncipe eles eram tão sádicos e desalmados quanto o capitão.
Uma vez na cabine, a tortura iniciou-se. Para Killian nada daquilo era novidade, algumas chibatadas seriam dadas, alguns socos; pontapés, queimaduras com o ferro de marcar... Essas torturas faziam parte de sua vida desde que botara os pés dentro do navio, não que ele estivesse acostumado com as mesmas, ele apenas havia aceitado-as.
Nenhum grunhido fora ouvido saindo de sua boca, os únicos sons presentes na cabine eram os de carne se rasgando, carne se queimando e as gargalhadas do capitão.
A dor era dilacerante, o sangue que escorria dos ferimentos era quente e o cheiro de ferro impregnava o ar.
"Ótimo, mais cicatrizes para a minha coleção." -ironizou
De fato o rapaz ganhara várias cicatrizes nos últimos meses, entretanto nenhuma delas havia doído tanto quanto aquela traição; traição à qual o arrastou para o fundo do poço e, consequentemente, o fez parar em um navio repleto de piratas imundos.
As gargalhadas cessaram-se, os barulhos de carne rasgando e queimando foram junto, Dominic arrastou-o até o seu minúsculo quarto e jogou-o dentro do mesmo.
-Não se esqueça, daqui duas horas quero o meu jantar. -marchou rumo à sua cabine
O navio começou a movimentar-se, Killian ficou estático por alguns segundos; passou os dedos sobre o sangue presente em seu braço e levou-os até os lábios.
"Então este é o gosto do sangue... Até que é agradável." -pensou após passar a língua pelos lábios
-O que diabos estou me tornando? -perguntou para o reflexo presente no minúsculo espelho.

Gancho a verdadeira história Livro 1- Amigos ou inimigos?Onde histórias criam vida. Descubra agora